19 junho 2019

Bolo do caco

12:16


O bolo do caco, muito comum no Porto Santo e na Madeira, difere do pão, principalmente, pela natureza da cozedura e a forma redonda e achatada. Era cozido sobre um caco ou uma pedra de tufo de lapilli (cantaria mole vermelha) ou traquito (cantaria branco-suja do Porto Santo) e, nos nossos dias, sobre chapa ou numa frigideira. O pão vai ao forno. Há também quem aponte diferenças na massa (mais elástica no bolo do caco) e na levedura (menos lêveda do que o pão).

Já foram notadas semelhanças com o pão dos hebreus, referido, por exemplo, no Antigo Testamento: «pão cozido debaixo da cinza» (1 Rs 19:6). Em muitos lugares, coze-se pão sobre uma pedra aquecida. É um processo ancestral que se mantém na actualidade, em diferentes países.

O bolo do caco era o pão dos mais pobres, daqueles que não tinham forno ou fornalha e que, de uma maneira mais ou menos improvisada, coziam a massa sobre um caco ou pedra, aquecidos com lume vivo ou sobre brasas.

Acerca da naturalidade do bolo do caco, ou seja, se é originário do Porto Santo ou da Madeira, por agora e com certeza, nada se sabe. A diferença entre um e outro, quanto ao paladar, poderá ter a ver com as características da água ou a forma de levedar a massa, nas duas ilhas. De acordo com o testemunho de uma porto-santense à jornalista Alexandra Prado Coelho, «o segredo está na forma de tratar a massa, que se deve deixar levedar três vezes – e não apenas duas como fazem na ilha da Madeira» (Público, 28-05-2016).

A receita é muito simples: farinha de trigo, água, fermento e sal. Há quem acrescente batata-doce, previamente cozida e amassada, mas originalmente não entrava na massa. A utilização de um fermento natural garante-lhe o sabor original.

O bolo do caco associou-se à espetada e, nas últimas décadas, é iguaria reputada nos restaurantes e padarias. Nas festas e arraiais, tem presença obrigatória, barrado com manteiga de alho com salsa. Agora fazem-se pregos e hambúrgueres no bolo do caco. E há também bolo do caco com chouriço. As versões gourmet não convencem, porém, os bons apreciadores e conhecedores.

O bolo do caco vulgarizou-se, assumiu a categoria de tradicional e associou-se a outras especialidades. Deixou de ser produto exclusivamente artesanal, tornando-se industrializado.

No entanto, muitas vezes é de má qualidade, só disfarçada por estar quente e barrado com manteiga. É ver, em locais concorridos, a massa a levedar rapidamente, com fermento em excesso, porque os clientes não podem esperar. Por outro lado, a introdução de farinha de batata-doce, até da China, não o beneficia.

Desde há alguns anos, fala-se na certificação do bolo do caco, a fim de ser garantida a autenticidade e qualidade.

Com efeito, ao aumento considerável da procura não tem correspondido a produção alargada de um bolo do caco genuíno. Há, pois, necessidade de criar mecanismos de intervenção, a fim de ser garantida a qualidade de um produto tradicional. Igualmente, impõe-se a fiscalização em festas e arraiais sobre o bolo do caco e a dita manteiga de alho.

Sendo o bolo do caco tão comum na Madeira, o Mercado Quinhentista, realizado no início deste mês em Machico, não poderia deixar de lhe dedicar uma barraca. Ora, neste Mercado, procura-se uma recriação de ambientes do século XVI. Todavia, a barraca do bolo do caco constituía uma aberração. Havia uma batedeira eléctrica, para amassar, e o bolo era cozido sobre uma chapa aquecida com chama de gás.

Situações destas não deveriam acontecer num Mercado Quinhentista. O sucesso deste evento confere responsabilidades acrescidas à comissão organizadora, que, de futuro, não poderá deixar de se empenhar na eliminação de alguns anacronismos e desvios, aliás recorrentes nas últimas edições.

A recriação da amassadura artesanal do bolo do caco e da cozedura em pedra aquecida com lume de lenha, naquele Mercado, constituiria, sem dúvida, um atractivo bem mais próximo do tempo que se pretende recriar. Por outro lado, possibilitaria a divulgação das técnicas ancestrais do fabrico de um alimento tradicional, contribuindo para a valorização do nosso Património Cultural.


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A Academia Madeirense das Carnes - Confraria Gastronómica da Madeira é uma associação sem fins lucrativos, que promove e defende a Gastronomia Regional Madeirense e todo o seu partimónio cultura.

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