01 agosto 2019

Diana Silva, a madeirense que recusou o não quando decidiu trabalhar "vinhos impossíveis"

10:33


No dia em que decidiu fazer os seus vinhos, Diana Silva determinou deixar uma assinatura própria. Chamou-lhes Ilha, aquela onde nasceu, a Madeira, e onde trabalha uma casta, a Tinta Negra, em que poucos acreditavam capaz de construir bons vinhos tranquilos. Diana não encontrou facilidades, mas também nunca desistiu.


“Santos da casa não fazem milagres” não é adágio que Diana Silva, madeirense de gema, tome como certeza na sua vida. Na realidade esta apaixonada pela região onde nasceu, há 34 anos, teima em contrariar lugares comuns, ou acomodados, na hora de ir para a vinha e para a adega. Diana, com formação em marketing e comunicação, é produtora de vinhos e fá-lo com a determinação de quem quer contrariar uma espécie de maldição imposta à casta que monopoliza o pequeno território vinícola madeirense.

Quem à Tinta Negra impôs o anátema de não servir para vinhos tranquilos, vertendo apenas para os fortificados, terá de provar a trilogia de néctares que Diana vinificou de três formas diferentes - tinto, branco e rosé - e a que chamou Ilha. Néctares que a produtora apresentou em 2018, produzidos a partir da colheita de 2017 e que, atualmente, dificilmente encontramos. Já este ano, Diana apresentou novas colheitas destes seus vinhos DOP, e duas novidades - o Ilha Verdelho, e o Ilha E.

Como inspiração, os vinhos elegantes, frescos e subtis que a nossa interlocutora nesta conversa, encontra na sua região vinícola de eleição fora de portas, a francesa Borgonha.

Diana não quer, contudo, replicar uma pequena Borgonha na Madeira. Quer manter a identidade do arquipélago. Um território que olhou - ainda olha - com desconfiança para a mulher, jovem e empreendedora que, no dia em que decidiu que iria ser produtora vinícola, quis fazer diferente. “Se é para me dedicar aos vinhos, então que seja na Madeira. Não vou fazer mais um Alentejano ou Duriense”.

Diana, como se dão os seus primeiros contactos com o mundo dos vinhos?

Estou ligada ao setor há perto de 15 anos. Não fui sempre produtora de vinhos. O meu curso inicial é de Comunicação e Turismo, Direcção Comercial e Enologia, em Lisboa. Nesse contexto, tinha estágios obrigatórios e, acabo por fazê-los em empresas ligadas ao vinho. Já havia, aí, o ´bichinho` dos vinhos. Começaram também as oportunidades de trabalho nessa área. Gostei e decidi fazer uma pós-graduação em Gestão Comercial. Trabalhei, ainda, nos vinhos em restaurantes, como o Manifesto de Luís Baena, assim como com os vinhos dos produtores Rui Roboredo Madeira e Paulo Laureano. Fazer marcas é das coisas mais difíceis que há. Nos vinhos, um mercado muito fragmentado, mais difícil ainda. Acabava por estar sempre fora de casa, com pouco tempo para a família. Logo, pensei, se o caminho é este, então que seja com algo meu. Contei logo no início com o apoio do Ricardo [Ricardo Gusmão], o meu marido, que também está comigo no negócio.


Nesse arranque a Diana ia já com um propósito?


Sim, sou madeirense, do Funchal, queria fazer algo novo. O mercado precisa de coisas diferentes e, atualmente, encontramos aceitação por parte dos consumidores. Queria ajudar a alavancar a economia madeirense e tinha algumas certezas. Se é para me dedicar aos vinhos, então que seja na Madeira. Não vou fazer mais um Alentejano ou Duriense, não desmerecendo, pois são excelentes vinhos. Outra certeza, a de trabalhar a casta Tinta Negra.

É verdade que desde cedo lhe reconheceram um especial talento na prova de vinhos?


[Risos] Sempre fui muito curiosa, comecei a provar vinhos com 18 anos e com especialistas do setor. Na altura foram algumas dessas pessoas que me incentivaram a aprofundar. Tinha sensibilidade para a prova. Provar requer muitas memórias olfativas e de sabores. Eu, felizmente, tenho essa capacidade memorial. Acaba por ser uma mais-valia. Ainda hoje há vinhos que provei há dez anos e que recordo. Vinhos que, para mim, eram clássicos e que agora já não os vejo assim. O que fiz com essa qualidade, a da prova, foi, de facto, explorar. Isso significa provar cada vez mais. Investi muito em provas, não só de vinhos portugueses, mas também de vinhos estrangeiros. Nós fazemos bons vinhos, mas lá fora também se faz bem. É uma aprendizagem mútua.


O MERCADO PRECISA DE COISAS DIFERENTES E, ATUALMENTE, ENCONTRAMOS ACEITAÇÃO POR PARTE DOS CONSUMIDORES. QUERIA ALAVANCAR A ECONOMIA MADEIRENSE E TINHA ALGUMAS CERTEZAS.

Falando dos vinhos fora de Portugal, a Diana tem afeto por uma região em particular.


Sou uma fã incondicional da região da Borgonha. Os meus vinhos de eleição são frescos, elegantes e subtis. Para mim um vinho extraordinário é como uma pessoa que vemos, nos parece interessante e descobrimos, depois, que ainda vai mais longe. A Borgonha é assim e tem uma casta magnífica, a Pinot Noir.

A Diana fala em elegância e subtileza nos vinhos que aprecia. Considera que estas características estão nos vinhos feitos no feminino?


Eu quero acreditar que sim. As mulheres são mais delicadas do que os homens. Apesar disso, há vinhos feitos por homens fabulosos. O Dirk [Dirk Niepoort] faz vinhos altamente elegantes. Mas também é um homem que explorou muito o mundo e soube trazer parte desse mundo para dentro das nossas fronteiras. Ainda a propósito das mulheres no mundo dos vinhos, têm do melhor e do pior. Somos muito hormonais. Se estivermos num dia fantástico, fazemos uma prova perfeita, se estivermos num dia menos bom, podemos ser muito depreciativas. Depois, há que provar duas ou três vezes o mesmo vinho para encontrarmos uma apreciação com objetividade e justa.

Falemos da casta madeirense que tanto adora, a Tinta Negra. Como se dá a sua entrada no mundo dos vinhos e, particularmente, na região?

Era uma casta que queria mesmo trabalhar. Uma vez mais, lá está a Pinot Noir com características organoléticas que encontro na Tinta Negra. Ou seja, capaz de fazer um vinho elegante. Quando fui para o terreno, à procura de parcelas de vinha que respondessem aos meus objetivos, não houve ninguém que me dissesse, em toda a ilha, vai em frente. Foi um pouco remar contra todos e a favor de um sonho e de uma ideia.



Remou contra todos, porque apareceu com um propósito diferente para uma casta usada maioritariamente para vinhos licorosos, certo?


Oitenta e cinco por cento do cultivo de vinha na Ilha da Madeira integra a Tinta Negra. Esta é utilizada para os Vinhos Madeira, com três anos, cinco anos. Todos os vinhos de três anos, sejam secos, meio seco, doce. É conhecida como a casta camaleão que faz vinhos diferentes a altitudes diversas. Todos os viticultores que encontrei estavam preocupados em ter mais quantidade de uvas face a uma maior maturação. E no caso de um vinho de mesa da Madeira, quero ter as uvas melhores, porque não podemos acrescentar álcool vínico a 96%, enquanto que no Madeira podemos. Logo, há uma discrepância de 1,5 graus, pelo menos, entre aquilo a que o viticultor está habituado a vindimar para o Madeira, com 9 graus de maturação e, para nós, tendo de estar a 10,5 graus de maturação.

TODOS OS VITICULTORES QUE ENCONTREI ESTAVAM PREOCUPADOS EM TER MAIS QUANTIDADE DE UVAS FACE A UMA MAIOR MATURAÇÃO.

Na prática, a Diana teve de ter um papel de persuação para conseguir encontrar quem lhe desse a mão…


Tive de reunir viticultores que acreditassem na nossa causa. Foi um trabalho de persistência. Atenção, já havia viticultores a fazerem o que eu procurava, como oSamuel Freitas, um produtor jovem, a quem presentemente ainda compro uvas e que está apostado em crescer connosco. O senhor Manuel Faria já apanhava uvas no ponto em que estão boas. De resto, um dos desafios é o de estarmos a contactar pessoas com uma certa idade, habituadas a trabalhar de uma certa forma e que olham para mim como uma miúda.

Do ano passado para cá, temos a ajuda da Justino´s, o maior produtor e comprador de uvas da Madeira. A Justino´s compra, todos os anos, quase metade da quota de produção vitícola da ilha. Fizemos uma parceria, para termos contacto com os viticultores da Justino´s, sem prejudicar a empresa. As nossas quantidades são pequenas, em 2018, por exemplo, foram 17 toneladas. A par dos produtores individuais que referi, a Justino´s deu-me a mão.

A Diana também não tem adega própria. Como faz?

Levo as minhas uvas para uma adega em São Vicente que pertence ao IVBAM [Instituto do Vinho, do Bordado e do Artesanato da Madeira]. As barricas e todos os produtos enológicos são opções nossas e compras nossas. Por seu turno, há quem tenha enologia própria, há quem tenha a da adega. No meu caso optei pelas duas; eu e o João Pedro [enólogo]. Também contamos com os serviços de equipamento e de engarrafamento.

Fonte: Lifestyle Sapo.pt


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