07 agosto 2019

Opinião: Ir à Venda

10:55

Era uma das tarefas que a minha tia me incumbia quase todos os dias.
Ir à venda nos meus tempos de infância era quase como ir ao supermercado nos dias de hoje.
Nessa altura não havia nada disso.
A venda ou a mercearia era o único local onde se podia comprar as pequenas coisas para o dia-a-dia.
Produtos diversos mas de escassa escolha. Longe da quantidade e diversidade que há hoje e quase tudo linha branca.
O pão, o sal, o café, as especiarias, o arroz, o azeite o vinagre ou a banha e até o petróleo. Sim, o petróleo que era usado nos candeeiros para quem não tinha eletricidade em casa como era o caso da minha tia. Por vezes, ia lá comprar um litro de combustível para iluminar a casa.
Na venda ou mercearia comprava-se quase tudo pesado na hora. Havia poucos produtos embalados. Recordo-me por exemplo, que a banha era retirada de uma lata enorme e a marmelada de um tabuleiro grande com a ajuda de espátulas e eram pesadas em papel vegetal, por sua vez embrulhado nesse papel e novamente embrulhado em papel pardo e amarrado com um fio de barbante.
Também as especiarias eram pesadas em papel vegetal, o tamanho do papel era adequado ao peso e embrulhado muito devagarinho. O merceeiro tirava o lápis da orelha e lá escrevia no embrulho o nome da especiaria para saber o que se levava lá dentro.
O sal, o grão, o açúcar, estavam em sacas espalhadas pelos cantos da mercearia. Em alguns casos até serviam de assento de tal forma que quando alguém chegava e precisava desse produto, era preciso mandar alguém se levantar para abrir a saca e retirar a quantidade pretendida.
O sabão azul era vendido à barra ou cortado na medida que se pretendia, pesado e depois embrulhado em papel de jornal.
Na maior parte dos casos tudo ia para o role. O merceeiro era quase que uma espécie de banco que fiava à espera que o cliente não falhasse no final do mês.
Recordo-me da minha tia me pedir para ir à venda comprar pão. Dava-me o dinheiro contado. Quase conta redonda para um pão branco e um de rolão. Eram poucos escudos. Quando sobravam uns centavos, por vezes tinha autorização para comprar rebuçados ou então amendoim. Normalmente preferia amendoim.
O amendoim era embrulhado em papel pardo, em forma de cone e dobrado na ponta. Uma guloseima que fazia render ao máximo. Por vezes, até comia as cascas. Talvez por ser menos acessível nesse tempo o amendoim parecia-me mais saboroso do que aquele que hoje em dia abunda em qualquer bar onde há Poncha.
As mercearias eram divididas em duas partes: uma para a venda de produtos para casa e outra para venda de bebidas ao balcão.
Na parte das bebidas normalmente lá só estavam os homens. Eram quase que como pequenos centros de convívio. Espaços onde se encontravam naturalmente para um “quarto de litro”, mas também para pôr a conversa em dia.
Aqui as mulheres e muito menos as crianças não tinham lugar.
Nas minhas idas à venda recordo-me de assistir algumas vezes às mulheres irem ali chamar os maridos para casa. Umas vezes sóbrios, outras nem por isso.
Com andar dos tempos este tipo de comércio foi desaparecendo a tal ponto que praticamente quase já nem existem mercearias. Ficam as recordações e as vivências de quem teve o privilégio de um dia “ir à venda.”

Fonte: JM-Madeira

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