O Terrantez é uma espécie de casta perdida, que faz vinhos únicos e que a Madeira quer salvar da extinção.
No leilão da famosa casa Christie’s, em Nova Iorque, em Dezembro de 2014, foi posto à venda um lote de vinhos que incluía várias garrafas de diferentes Madeira. Uma dessas garrafas era descrita como a mais antiga existente no Mundo. O ano é 1715 e o vinho envelheceu durante um século e meio em barricas, antes de ser engarrafado. O lote pertenceu a Braheem Kassab, um comerciante de bordados sírio, que adquiriu uma grande coleção de vinhos Madeira. O vinho era um JCA e CA/Kassab Terrantez, 1715. Mas o mais impressionante desta história, além da idade do vinho, é o preço: A garrafa foi vendida por 26.950 dólares (cerca de 24 mil euros).
No mesmo leilão houve outras histórias de sucesso, como a venda de um Terrantez Reserva de 1820, cujo lote de 4 garrafas custou 23.275 dólares (cerca de 21 mil euros). O vinho era oriundo de uma reserva familiar, das muitas que no século XIX existiam na Madeira.
Mas também vale a pena recordar que nesse mesmo leilão foram vendidas outras garrafas, como um HM Borges, de 1760, por 10.413 dólares (cerca de 9 mil euros). Henrique de Menezes Borges, ficou famoso pelos seus vinhos envelhecidos, alguns dos quais ainda são disputados em leilões.
Este ano, no leilão previsto para Novembro, na mesma casa leiloeira, deverá estar de novo uma garrafa de Madeira. O ano é 1795, e o vinho foi engarrafado no início do século XX. É uma colheita que se tornou mítica, talvez porque tenha começado a ser bebida quando, durante as Guerra Napoleónicas, no início do século XIX, forças britânicas se instalaram na Madeira. Francisco Albuquerque, enólogo, explica que existem ainda cinco referências deste ano no mercado, engarrafadas por diferentes companhias.
A título de exemplo, a Garrafeira Nacional, que serve de referência para o valor dos vinhos, tem à venda um Terrantez Companhia Vinícola da Madeira, colheita de 1795, pelo valor de 3.950 euros.
Mas na garrafeira estão outros Terrantez, de anos mais recentes e com uma gama de valores ainda assim digna de nota: 264 euro para um Blandy’s de 1976; 195 euros para um Cossart de 1977; ou ainda um D’Oliveiras de 1988, por 130 euros, apenas para referir alguns exemplos.
Todas estas histórias referem-se a vinhos Terrantez. É uma casta branca e par da Malvasia, uma das duas mais nobres do vinho da Madeira. Mas ao contrário da Malvasia, que é largamente cultivada, os campos de Terrantez foram desaparecendo. Por isso os vinhos desta casta são altamente valorizados. Mas isso acontece também porque as uvas Terrantez dão alguns dos melhores Madeira de sempre.
Nas apresentações feitas a centenas de turistas, ou em ações promocionais pelo Mundo, é comum dizer-se que há quatro castas principais que fazem o Vinho Madeira: Verdelho, Sercial, Bual e Malvasia. A Terrantez será o quinto elemento.
Francisco Albuquerque lembra que alguns dos grandes vinhos da Madeira “aqueles que nos fizeram mundialmente famosos são da casta Terrantez”.
Por causa da sua história, e sobretudo do seu valor comercial, o Governo Regional da Madeira que estimular o cultivo de Terrantez. Para isso foi decidido um conjunto de apoios técnicos e financeiros, que incentivem os viticultores e apostar nesta casta.
Paula Cabaço, presidente do Instituto do Vinho da Madeira recorda que se trata “de uma casta muito tradicional”, e destaca a grande procura além de muitos pedidos de informação de jornalistas e profissionais. O enólogo Francisco Albuquerque considera tratar-se de “uma aposta inteligente”, que vai permitir explorar um nicho dentro do Vinho Madeira.
O apoio técnico será garantido em todas as fases do processo de produção porque, num certo sentido, a Terrantez é uma uva delicada. Paula Cabaço explica que a casta rende em média menos quilos por metro quadrado do que as outras. Os cachos, com as uvas muito encaixadas, têm uma película muito fina. “Se durante a maturação as condições não são as ideais”, surgindo humidade associada a calor, a uva pode ser contaminada por fungos, que levam a podridões. Francisco Albuquerque concorda que se trata de “uma casta muito difícil”.
Mas quando a produção se faz sem problemas, Francisco Albuquerque não tem dúvidas: “Dá vinhos excecionais”. Paula Cabaço também fala em “vinhos de grande qualidade”.
O enólogo refere que “são talvez dos vinhos mais especiados da Madeira, mais complexos”. É um vinho que se define por ter “um ataque doce e um fim de boca muito seco”. Refere que na Madeira já foram ganhos muitos prémios com a casta Terrantez: “São vinhos que não deixam ninguém indiferente, porque o fim de boca é magnífico”.
Autoria: Paulo Santos | Fotos: Miguel Nóbrega
Fonte: Revista Essential Madeira Islands
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