Pode ser só impressão minha, mas nos meus tempos de infância eramos mais maduros. Explico melhor. Eramos mais autónomos porventura mais responsáveis ou melhor ainda, eramos mais responsabilizados pelos nossos pais.
Digo isto, claro, em comparação com os dias de hoje.
Recordo-me que nos meus tempos de infância, com os meus dez, onze anos, eram-me destinadas tarefas que confesso que se nos dias de hoje tivesse de as distribuir a um filho meu teria muita dificuldade.
Sou duma zona rural, mais propriamente nascido e criado em Santana.
Aqui a vida no campo não dava espaço de manobra para recusar muitas das tarefas que nos eram indicadas, a mim e aos meus irmãos.
Já aqui falei noutras crónicas do trabalho na agricultura, mas há mais.
Recordo-me por exemplo de ter dez anos e o meu irmão aí pelos doze, de levarmos um porco reprodutor (em Santana conhecido por “porco-cachaço”) da vila até ao sítio da Achada do Marques. Um porco que pertencia ao meu avô e que tinha as qualidades de ser excelente reprodutor. Era essa a função que tínhamos de levar o animal a desempenhar até este sítio agora pertencente à freguesia da Ilha. Aí viviam familiares da minha mãe que tinham porcas reprodutoras.
Até aqui tudo normal, não fosse o facto desta pequena localidade enfiada em plena Laurissilva ficar a mais de 4 horas de caminho a pé.
Agora tem estrada, mas nesse tempo (em 1974/75) era um sítio sem estrada, sem luz e sem água canalizada.
Nós saímos pela manhã da casa do meu avô, ali junto à actual escola secundário de Santana, até à Achada do Marques.
Eramos duas crianças que tínhamos a responsabilidade de orientar o animal por veredas algumas delas com abismos, até ao chiqueiro onde os meus primos tinham as leitoas.
Era uma tarefa complicada, sobretudo quando o animal teimosamente não obedecia às nossas ordens.
Sinceramente nos dias hoje não imagino uma criança de 10 anos e outra de 12 anos a fazerem este tipo de tarefa. Os riscos eram muitos. O que é facto é que os nossos pais confiavam em nós e nunca houve problemas. Olhado para trás, mesmo que existissem problemas, nem sei como é que se poderia fazer chegar a mensagem. Nessa altura ainda não havia telemóveis.
Foram experiências de outros tempos que obviamente recordo com saudade. Como recordo as nossas chegadas ao sítio da Achada do Marques, ao pequeno planalto com algumas casas, no meio da natureza. Do cansaço que sentíamos após algumas horas a pé. E tão bem que sabia aquele café, aquela carne de porco cozida com semilhas ou o pão caseiro. As pevides assadas, temperadas com sal, que delícia na altura. Tudo produtos naturais. Como não havia luz, também não existiam frigoríficos.
Depois de pernoitarmos lá uma noite numa cama com colchão de palha, no dia seguinte era tempo de efetuarmos o regresso. De novo mais 4 horas de caminho e outras tantas de outros tantos tormentos para fazer regressar o “porco-cachaço” de novo ao chiqueiro do meu avô. Dali a 4 meses no sítio da Achada do Marques havia uma porca que dava à luz. O ciclo repetia-se dali a uns tempos.
Fonte: JM-Madeira
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