Artigo de Opinião por: Paula Noite.
Fonte: Diário de Notícias da Madeira
Aguardávamos ansiosamente que chegasse São João (o mês de junho) e depois Santa Isabel (o mês de julho). E logo, logo chegava agosto trazendo as festas de verão.
Nessa altura a mãe levantava-se muito cedo para ir à cidade (nesses tempos falar da cidade era falar do Funchal, pois era a única) mercar (comprar) o vestido novo e os sapatos para os pequenos, o que custava horas e horas a fio à luz do candeeiro a petróleo puxando pela agulha matizando uma toalha enorme de bordado madeira com os caseados, bastidos, ponto de areia….
Nós não conseguíamos dormir. Impacientes, imaginávamos como seriam as coisas novas que seriam estreadas na festa – o vestido e os sapatos! E vestidos de novo, iríamos á missa e acompanhar a procissão na sua volta enorme, em redor do centro da freguesia.
A festa na realidade começava na sexta-feira de manhã. “Rachas” de lenha eram atiradas ao forno onde as labaredas vermelhas ardiam crepitantes aquecendo o forno.
Numa celha grande de madeira, escavada num tronco enorme, era deitado o fermento, o sal, a batata-doce e um pouco de água. Depois a farinha. As mãos da mãe como se fossem máquinas, num movimento constante e preciso, iam e vinham envolvendo a massa, atirando-a ao ar e voltando a batê-la com imensa força, de punhos fechados. Nós também ajudávamos. Mãos pequeninas que batiam e batiam para que ficasse bem amassada. Finalmente, era feita uma cruz sobre ela e coberta com uma toalha de branco imaculado até que levedasse. As “copas” (folhas) de couve já tinham sido apanhadas, aparadas e alinhadas sobre a mesa. A massa era cortada, envolvida com arte numa bola e posta sobre as copas até irem para o forno. A hora certa para isso era marcada por uma bolinha de massa colocada num copo de água, vigiada pela pequenada. Quando subia, um varredouro feito de trapos velhos varria as brasas mais quentes e nós fazíamos fila, empurrando-nos uns aos outros para colocar o pão na pá rústica. Mas era a mãe que os arrumava todos lá dentro e tapava a porta “para o forno não descair”.
Enquanto cozia o pão, num alguidar eram batidos os bolos da festa – o de saboia, o preto e o de São Jorge, que não podia faltar, não fosse ele o nosso padroeiro.
E vinham os embarcados serem os festeiros, agradecendo o sucesso alcançado. Era o tempo de matar as saudades da terra, dos familiares e dos amigos.
E a festa era o fogo. Vibrávamos com os foguetes e com a girândola do meio-dia, no Miradouro do Pico. A banda filarmónica era a animação da festa. Num reportório variado e popular, animava tudo e todos lá no adro onde nos juntávamos a fazer a cobra, uns atrás dos outros, sorriso na cara, com voz afinada ou não, íamos cantando “vai indo José vai indo, vai indo qu’eu já lá vou” e outras canções no género.
E vinham os embarcados serem os festeiros, agradecendo o sucesso alcançado. Era o tempo de matar as saudades da terra, dos familiares e dos amigos.
Era desta forma que vivíamos as festas há alguns anos atrás.
E registo com apreço o facto de hoje a freguesia de São Jorge continuar a fazer as festas de verão. Continuar a haver o tapete de flores em homenagem ao Santíssimo Sacramento, uma passadeira de tapetes de retalhos, tecidos na terra em honra do seu padroeiro – São Jorge. E continuarem a ser os mesmos sítios a enfeitar aqueles lugares. A fazerem os arcos, o tapete de flores, ou o de retalhos.
Os foguetes estalam ainda, seguindo-se a girândola no Miradouro do Pico. A banda continua a tocar. E faz-se ainda a cobra no adro. Os embarcados continuam a vir nesta época para serem festeiros ou simplesmente matar saudades.
Tradições de um passado não muito longínquo que se mantêm no presente.
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