Por engenho entendemos todo o complexo que serve para a produção de açúcar em que se encontram a estrutura de moenda, que lhe dá o nome, as casas das caldeiras, da purga, e os chamados anexos, que servem para guarda de materiais e dos pães de açúcar que aguardam saída. Assim, num contrato de 1477, Álvaro Lopes compromete-se a construir um engenho de água, de mó ou de alçaprema, “com sua casa e casa de caldeiras” (VIEIRA, 2004c, 228).
Antes de se entrar propriamente na história e evolução dos engenhos, deverá atender-se a algumas situações que são importantes para aquelas. A cultura da cana e a consequente indústria de produção de açúcar, a partir do séc. XV, foram alvo de constantes inovações. Para isso, contribuíram a pressão do mercado europeu e as características inerentes à própria cultura e ao processo de laboração para o fabrico do açúcar. Há um período ideal do ciclo vegetativo para a cana-de-açúcar ser colhida, findo o qual começa a perder sacarose. Além disso, depois de cortada, tem 72 h para ser espremida e cozida. Caso isso não suceda, começa a fermentar, perdendo sacarose, a origem do açúcar. Tais condicionantes do processo de laboração e a incessante demanda do mercado europeu, a partir de meados do séc. XV, obrigaram à constante inovação tecnológica.
O séc. XVI propiciou a expansão da cultura, gerando uma forte concorrência de mercados produtores que marcou o mundo açucareiro. Esta foi tanto mais feroz quanto, no séc. XVIII, ganhou adeptos na Europa a produção de açúcar a partir da beterraba. Tamanhas exigências conduziram a que, a partir do séc. XIX, a tecnologia e a ciência se aliassem na promoção da cultura e produção de açúcar. Ao nível da cultura, surgiram os estudos agronómicos que levaram à criação de subespécies mais produtivas e resistentes às pragas. Por outro lado, o engenho deixou de ser um espaço de intervenção de diversos ofícios guiados pela tradição, dando lugar a engenheiros químicos e industriais.
As questões em torno da tecnologia são mais claras quando se tem em conta que a intenção do inventor não foi uma conquista do séc. XVIII e que este só se tornou um herói na centúria seguinte. Os inventores preferiam a fruição dos resultados dos inventos aos louros da consagração oficial. A história da tecnologia do açúcar foi, desde o início, polémica, e não é fácil obter a resposta certa para as inúmeras dúvidas que subsistem sobre as inovações, o momento da concretização e a sua paternidade. É neste quadro que devem ser enquadradas as inovações tecnológicas em torno da cultura e do fabrico do açúcar.
As técnicas de cultivo e transformação da cana atravessaram o Atlântico. Na Madeira, as condições geo-hidrológicas foram propícias à generalização dos engenhos de água, de que os madeirenses foram grandes criadores. Aliás, na Ilha, estavam criadas as condições para a afirmação da cultura: inúmeros cursos de água e uma vasta área de floresta, disponibilizando lenha para as fornalhas e madeiras, como a de pau branco, para a construção dos eixos do engenho. O primeiro engenho particular foi autorizado, em 1452, a Diogo de Teive – foi dado por alguns como o primeiro engenho de açúcar movido a água. Recorde-se que estas estruturas eram propriedade do infante e, portanto, ele deveria ter ordenado a sua construção na Ilha, quando se iniciou a cultura da cana sacarina.
Para mover os engenhos, foram várias as fontes de energia. Assim, em pequenas engenhocas, usava-se a força humana, apresentando elas pouca capacidade de produção. A par disso, recorreu-se aos mecanismos usados para esmagar a azeitona e espremer o bagaço da uva. A mó era usada na Sicília já no séc. VIII, sendo conhecida como “massara”, e corresponde ao engenho descrito, em 1530, por Giulio Landi. O mesmo tipo de engenho é referido por Gaspar Frutuoso, em finais do séc. XVI, para a tributação do pastel, na ilha de São Miguel (Id., Ibid., 227). Assim, verifica-se, em simultâneo, o uso da mó para triturar a cana e a estrutura do lagar/alçaprema para extrair o máximo possível do seu sumo; o aproveitamento do suco ficava pelos meros 60 %. Aqui, a força motriz da mó dividiu-se entre os animais e a água. O aproveitamento e o rendimento eram também distintos. Um engenho de água tinha uma safra diária de moenda de 125 t de cana, enquanto os movidos a cavalo tinham apenas 42 t. A partir do séc. XIX, com a máquina a vapor, o salto é enorme: a moenda atinge as 3099 t. Prova dessa utilização simultânea de distintas formas de força motriz consta de documentação madeirense de 1467-1468, quando se faz referência aos engenhos, trapiches de besta e alçapremas.
O engenho de cilindros aparece no sentido de fundir os dois meios anteriores e de acelerar o processo da moenda. Não se sabe quando terá aparecido, pois está historicamente documentado com diversos usos, desde épocas muito recuadas, como na laminação dos metais e, na China, no processo de descoroçoar o algodão. A par disso, aparece nos desenhos de Leonardo da Vinci. O sistema de cilindros evolui da posição vertical para a horizontal e de dois para três, tendo a primeira mudança acontecido logo que se passou a utilizar a força motriz da água, enquanto a segunda só ocorreu no séc. XVII. São evoluções que em muito contribuem para o processo de esmagamento da cana, em termos de capacidade de moenda e de aproveitamento. Assim, num engenho de dois cilindros, apenas se tinha um aproveitamento do suco até 30 %, subindo para 35 % no de três cilindros. Os engenhos de cilindros, em qualquer das circunstâncias, tanto podem ser movidos pela força dos animais, cavalos ou bois, como do vento e da água, dependendo da sua disponibilidade e das possibilidades dos sítios onde são instalados. A partir da segunda metade do séc. XVIII, começaram os ensaios com os mecanismos a vapor, que se generalizaram no decurso do séc. XIX, por força da concorrência da produção de açúcar a partir da beterraba. O grande avanço deu-se no séc. XIX, com os engenhos a vapor que vão dos 5 aos 18 cilindros: no primeiro caso, o aproveitamento pode atingir os 90% e, no segundo, os 98%.
Na Madeira, a água, mais do que a indispensável utilização no regadio, tinha uma função industrial relevante. O declive das encostas, sobranceiras às ribeiras, aliado à habilidade do Homem para a canalização pelas levadas, conduziu à grande aposta na força motriz: moinhos, engenhos e serras. O progresso das indústrias açucareira e das madeiras deve-lhes muito. Mesmo assim, os engenhos de água conviveram com os movidos por tração animal.
A palavra “trapiche” entrou no vocabulário do açúcar para designar todos os tipos de engenhos de cilindros usados para moer cana. Nos arredores do Funchal, existe uma localidade com este nome, o que prova ter existido aí um engenho deste tipo. Mas apenas temos notícia da utilização da força motriz dos animais nos primórdios da cultura da cana-de-açúcar na Madeira, sendo pouco provável a sua continuação após a experiência do engenho de água de Diogo de Teive, tendo em conta a disponibilidade de cursos de água e o seu possível aproveitamento, por meio da canalização, através das levadas. Já o mesmo não sucede nas Canárias, onde as datas diferenciam os engenhos de água dos de besta. A animação socioeconómica gerada pelo açúcar foi dominada pelo engenho, mas isto não significava que a existência de canaviais fosse sempre sinónimo da presença próxima de um engenho. Na Madeira, mais do que no Brasil, eram inúmeros os proprietários que não tinham meios financeiros para montar semelhante estrutura industrial e, por isso, socorriam-se dos serviços de outrem. No estimo da produção da capitania do Funchal para o ano de 1494, são referenciados apenas 16 engenhos para um total de 209 usufrutuários, dispondo de 431 canaviais. Por outro lado, há casos de alienação destes complexos a outrem, sem qualquer relação com os canaviais. Assim sucedeu em 1546, quando o Convento de S.ta Clara arrendou o engenho dos Socorridos, que fora de Rui Dias Aguiar, a Manuel Damil.
À casa dos engenhos sucedia-se a casa das caldeiras, espaço onde se procedia ao cozimento da garapa, para se alcançar o ponto do açúcar. Com maior capacidade na moenda, era também maior a disponibilidade de garapa a processar para se obter o melado ou do açúcar. Uma situação empurra a outra, conduzindo a soluções cada vez mais avançadas. A necessidade de lenhas e os elevados custos do seu transporte para o engenho obrigaram a soluções de poupança, com a utilização de uma fornalha para alimentar as cinco caldeiras de cozimento, sistema vulgarizado com a designação de trem jamaicano, mas que já aparece na Madeira no séc. XVI. Em 1530, Giulio Landi descreve o sistema de fabrico de açúcar com cinco caldeiras agrupadas:
“Os lugares onde com enorme atividade e habilidade se fabrica o açúcar estão em grandes herdades, e o processo é o seguinte: primeiramente, depois que as canas cortadas foram levadas para os lugares acima referidos, põem-nas debaixo de uma mó movida a água, a qual, triturando e esmagando as canas, extrai-lhe todo o suco. Aqui há cinco vasos postos por ordem, para cada um dos quais o suco saído das canas passa um certo tempo em ebulição, depois, passando para os outros casos, com fogo brando, dão-lhe com habilidade a cozedura, de modo que chegue a espessura tal que, posto depois em formas de barro, possa endurecer. A espuma que se forma ao cozer o açúcar, deita-se em barricas, exceto a que sai da primeira cozedura, porque esta se deita fora; mas a outra, que se conserva, é muito semelhante ao mel” (Id., Ibid., 263).
A situação surge também nas Canárias, no séc. XVI: as caldeiras reuniam-se em grupos de três ou cinco, sendo servidas por distintas fornalhas ou apenas uma.
Da casa das caldeiras, seguia-se para a casa da purga, onde se procedia à purificação do açúcar, para que ficasse branco, e à sua secagem, para, depois, ser embalado em papel. Este processo durava entre 50 a 60 dias. Mas, aos poucos, com a evolução da tecnologia, tornou-se numa tarefa muito mais fácil e rápida. Assim, em 1820, com os novos mecanismos, o tempo de purga era de 40 dias, passando para 24, em 1830. Entretanto, em 1860, aparece um novo processo, com a chamada máquina de centrifugação, que reduz o processo de refinação do açúcar para apenas 16 h, sendo a produção de 60 kg a cada 20 min. Estes novos processos, para além da inevitável redução do tempo de fabrico do açúcar, conduzem a um maior aproveitamento, que chega aos 70%.
Não existem dados exatos sobre o número dos engenhos industriais movidos pela força motriz da água. A primeira informação surge possivelmente no estimo de 1494, em que são mencionados 16. Mais tarde, em finais do séc. XVI, surge nova relação dos engenhos, apresentada por Gaspar Frutuoso em Saudades da Terra. No total, são 34 engenhos em toda a Ilha, numa extensa área da vertente sul, que vai desde o Porto da Cruz à Calheta. As informações disponíveis são, em muitos dos casos, díspares. Assim, para a Madeira, os estimos dos canaviais de 1494 referem apenas 14 engenhos, e, noutro documento, de 1493, dá-se conta da existência de 80 mestres de açúcar, que alguns fazem corresponder a igual número de engenhos. Note-se ainda que Robert White refere a existência de 120 engenhos em fins do séc. XV e Edmund von Lippermann dá conta, no Funchal, de 150 engenhos no início do séc. XVI, número que não se coaduna com os valores razoáveis para a extensão arável da Ilha e a produção dos canaviais (VIEIRA, 2004c). Depois, em finais do séc. XVI, Gaspar Frutuoso testemunha estarem 34 engenhos em funcionamento, nove na capitania de Machico e os restantes na do Funchal.
Nos inícios do séc. XVII, funcionavam poucos engenhos na Ilha. O bicho da cana havia reduzido drasticamente a produção e a área de canaviais, sendo que muitos haviam sido abandonados. É por isso que um alvará régio de 1640 informa terem existido mais de 50 engenhos na Ilha e que, no momento, apenas cinco estavam ativos. Ainda em 1610, o panorama era de franca recuperação da cultura, mas os engenhos continuavam encerrados; por isso, o procurador requereu à Câmara que intimasse os proprietários para que aprontassem os engenhos para abrirem na safra de 1611. Em 1602, Pyrard de Laval refere a existência de sete a oito engenhos em laboração. A aposta na cultura levou ao estabelecimento de alguns incentivos à reparação dos engenhos, como sucedeu em 1641 e 1649. Nesta década, fala-se, em alguma documentação, de apenas quatro engenhos, sendo dois construídos em 1650, o que contradiz a informação aludida no alvará régio de 1640. Da falta de engenhos suficientes derivaram enormes dificuldades em conseguir moer a cana. Em 1698, segundo informa o Gov. Jorge de Melo, eram já 41 os engenhos em funcionamento na Ilha, apesar de insuficientes para a cana disponível. Em 1730, refere-se a existência de poucos, enquanto no período de 1748 a 1782 se tem notícia de apenas um engenho em laboração na ribeira dos Socorridos.
Na déc. de 40 do séc. XVII, no Funchal, o engenho de André de Betancor não funcionava há três anos, e seria difícil que o fizesse, pelo estado em que se encontrava. Além do abandono dos engenhos, registava-se o das levadas, como sucedia com a do Pico do Cardo e Castelejo, em São Martinho, que há 30 anos não era tirada. Para repor a cultura, a Coroa preparou um plano de recuperação dos engenhos, com empréstimos e a isenção do pagamento do quinto. Isto aconteceu por alvará de 1 de junho de 1649, ficando os proprietários de engenho com direito ao empréstimo de 400 cruzados e ao não pagamento do quarto por 5 anos e metade deste valor por 10 anos.
A política de incentivo à cultura chegava até à coação dos proprietários, no sentido de repararem e porem em funcionamento os engenhos (foi isso que aconteceu com D. Maria da Câmara). Concentravam-se no Funchal e em Câmara de Lobos, o que implicava redobradas dificuldades para a maioria dos lavradores das partes da Calheta, da Ponta do Sol e da Ribeira Brava. Como já se referiu, o preço de montagem de semelhante estrutura industrial não estava ao nível da bolsa de todos os proprietários. Em 1600, João Berte de Almeida vendeu a Pedro Gonçalves da Câmara, no Funchal, um engenho pelo valor de 700.000 réis.
Na segunda metade do séc. XIX, a crise do vinho obrigou a recorrer à cana como alternativa para a economia da Ilha. A cultura da cana sacarina na Ilha é herdeira desta fase. O golpe mortal é desferido em 1985, com o encerramento definitivo da fábrica Hinton, a única que ainda produzia açúcar. Os engenhos de água renascem, em concorrência com os novos, movidos a vapor.
O primeiro engenho da última fase surgiu em 1828, por iniciativa de Severiano Ferraz. Foi ele também o pai da primeira fábrica de açúcar movida a vapor na Ilha, tendo montado o sistema no engenho da Ponte Nova, em 1856, ano da sua morte, pelo que foram os filhos que puseram o mecanismo em funcionamento, no ano imediato. A energia para mover os novos engenhos poderia ser escolhida entre a força motriz dos bois, da água e do vapor, dependendo do volume de cana a laborar e da capacidade financeira do proprietário. Ao mesmo tempo, diferencia-se a aposta na produção de açúcar ou aguardente.
Em 1851, temos apenas três engenhos, em funcionamento no Funchal (Praia Formosa, São Martinho e R. dos Chapéus), que fabricavam açúcar, e outros três, para aguardente. Em 1861, dos 29 engenhos, temos apenas cinco para a produção de açúcar, situados na Calheta, em Santa Cruz, na Ponta do Sol e no Funchal. Em relação a 1863, são referidos três engenhos a vapor e quatro movidos a água, e apenas um fabricava açúcar.
A redução dos últimos é inevitável nos anos seguintes, com a existência, em 1900, de apenas três no Funchal: Hinton, Silva Manique (Ponte Nova), que os descendentes de Severiano Ferraz haviam vendido em hasta pública em 1886, José de Faria e C.ª (São Martinho). Em 1907, de acordo com o relatório do Eng.º Victorino José dos Santos, existiam na Ilha 47 fábricas, sendo 26 a água, 3 mistas e 18 a vapor. É de salientar que o Funchal surge apenas com engenhos movidos a vapor, sendo os de água maioritariamente da Ponta do Sol, de São Vicente e de Santana. O engenho dos Hinton era o único que produzia açúcar, moendo 21.000 t de cana. Em 1929, eram apenas dois e, passados 10 anos, tudo ficou reduzido a apenas uma unidade industrial com o exclusivo do fabrico de açúcar, i.e., ao engenho dos Hinton. Segundo E. Nicholas, “Hinton is sugar and sugar is Hinton” [“Hinton é o açúcar e o açúcar é Hinton”] (Id., Ibid., 207). A situação resultou do regime sacarino estabelecido em 1911.
Entretanto, um decreto de 9 de abril de 1920 acabou com a situação de monopólio dos Hinton, mas, em 1934, um decreto voltou a estabelecer claramente a situação de favorecimento à família Hinton. Estas medidas protecionistas, a partir de 1939, conduziram ao encerramento da quase totalidade destas infraestruturas, pelo que restam apenas escombros. De acordo com o decreto de 1954, procedeu-se à concentração das diversas unidades industriais fora do Funchal, na Sociedade de Engenhos da Calheta Lda., Companhia de Engenhos de Machico Lda., Companhia de Engenhos do Norte. O engenho dos Hinton manteve-se a produzir açúcar até 1985, altura em que encerrou definitivamente as portas. No espaço onde funcionou, passou a estar um jardim público, que coexiste com vestígios do antigo engenho.
Dos engenhos dos sécs. XV e XVI não se tem vestígios no terreno, sabe-se apenas, por documentos e descrições, da sua existência. A cidade do Funchal era local de grande concentração das estruturas, mas tudo desapareceu, sendo que o que existe, em termos de vestígios dos engenhos açucareiros, resulta do segundo momento de afirmação da cultura para fabrico de aguardente e açúcar. Na maioria, resume-se a algumas chaminés, a infraestruturas degradadas ou em ruínas, e apenas três se mantêm ativos.
A cultura da cana-de-açúcar expandiu-se, no séc. XIX, à encosta norte, ganhando alguma importância no concelho de São Vicente. Testemunho disso são os vestígios materiais dos lugares de Ponta Delgada e Boaventura. Em São Vicente, dos dois engenhos de aguardente – o de 1860, de Caetano António de Freitas, e o de 1897, de Daniel Brazão Machado – já não sobra nada. Em Boaventura, na ribeira do Porco, Francisco António Abreu Cardoso construiu, em 1899, um engenho movido a água para fabrico de aguardente. Em Ponta Delgada, temos notícia de três engenhos para o fabrico de aguardente. O primeiro a surgir foi em 1850, no sítio do Lombo dos Cabos, propriedade de Joaquim da Silva Ganança. Passados oito anos, o conde de Carvalhal mandou construir o seu, no sítio da Fonte e, em 1861, no sítio do Açougue, o de Cândido Lusitano de França. O do conde de Carvalhal, que pertenceu a João Bermudes, foi vendido em 1886 a Norberto d’Ornellas Jr., encerrando as portas em 1954. É dele que fala Horácio Bento de Gouveia em Canga e Águas Mansas.
No espaço compreendido pelo município do Porto Moniz, só há notícia da presença de engenhos a partir de meados do séc. XIX. A cultura da cana sacarina e, de modo especial, o sorgo expandiram-se até aqui. No Seixal, existiram três engenhos movidos a água para o fabrico de aguardente. Em 1857, José Homem de Gouveia instalou um engenho no sítio da Serra de Água; depois, em 1890, no sítio do Corpo Comprido e Lombo do Moinho surgiram duas novas destiladoras, uma de Manuel Luísio da Costa Lira e a outra, em 1895, de uma sociedade composta por João António de Andrade, Manuel Estêvão Pereira Machado, Daniel Joaquim de Souza Pinto, António Rodrigues Gouveia Jardim. No Porto Moniz, a única fábrica de moer cana doce e de fabrico de aguardente, conhecida como “fábrica da Conceição”, surgiu, na vila, em 1907, propriedade da sociedade Gouveia Lima e C.ª, entre Manuel de França Dória, António Domingos de Gouveia, o P.e João Correia e Manuel de Lima Júnior. A fábrica laborou até 1923, mas o edifício e a chaminé mantiveram-se de pé até 1990.
No concelho de Santana, apenas se registam engenhos em São Jorge, no Arco e no Faial. Na freguesia de São Jorge, tem-se notícia dos seguintes engenhos para o fabrico de aguardente: 1858: Manuel Fernandes de Nóbrega, 1859: Manuel José Catanho, 1896: João Francisco Jardim, 1896: Luzia Augusta, 1899: Francisco da Cunha. No Arco de São Jorge, referem-se os de Maurício Castelo Branco & C.ª (1859), António Joaquim França (1896), Francisco José Brito Figueiroa (1896), José Oliveira Jardim Júnior (1905). Em São Roque do Faial, houve um engenho no sítio das Covas, desde 1859, que, em 1899, era pertença de João Catanho de Menezes (1854-1942) e de Leocádia Maria Menezes. Manteve-se ativo até 1939. Surgiu outro nos Terreiros, em 1899, propriedade de Albino Rodrigues Sousa.
A vertente sul manteve-se como uma das áreas por excelência da cultura da cana-de-açúcar, neste segundo momento. Daí a presença de inúmeros engenhos. No Arco da Calheta, temos notícia de vários engenhos. No sítio da Serra de Água surgiu, em 1857, o de Diogo de Ornelas Frazão, movido a vapor. Depois, registam-se, em 1882, o de Francisco Luís Pereira e João de Andrade, movido por bois, e, em 1901, o de Juliana Lopes Jardim.
A Calheta foi, no séc. XVI, terra de muito açúcar, havendo notícia de dois engenhos na Estrela. Na vila da Calheta, temos três engenhos: os de Vicente Lopes (1894), Lopes & Duarte (1901) e António Rodrigues Brás (1908). Do primeiro não ficou memória e, do último, só resta a chaminé, num jardim da marginal. O de 1901 é dos poucos que persistem em laboração, como testemunha da indústria da destilação de aguardente. No Estreito da Calheta, temos os de Luís Agostinho Henriques (1895), Tibúrcio Justino Henriques & C.ª (1901). No Paul do Mar, referem-se dois engenhos: o primeiro surgiu em 1858 e era propriedade do conde de Carvalhal, sendo movido por água da ribeira; depois, em 1905, José Gomes Henriques montou outra estrutura. No Jardim do Mar, tem-se apenas notícia de uma fábrica de aguardente movida a água, que foi construída em 1900 por Francisco João Vasconcelos.
Na Ponta do Sol encontrava-se um dos maiores proprietários de canaviais. João Esmeraldo, flamengo, foi detentor, desde finais do séc. XV, de um importante engenho de açúcar na sua casa da Lombada. No séc. XVII, referem-se dois engenhos e, no séc. XIX, assiste-se a novo incremento. Nuno de Freitas Pestana montou, em 1853, no sítio da Praia, uma fábrica de aguardente movida por uma junta de bois. Depois, em 1869, surge com outro, na vila. Tem-se ainda referência a outro, em 1884, de Guilherme Wilgraham. No Livramento, Francisco da Silva Gaspar montou uma fábrica de moenda, remodelada em 1907, que, passados três anos, estava em poder de Manuel da Silva Jardim.
Existentes nos Canhas, referem-se engenhos para fabrico de aguardente. O primeiro foi construído no sítio dos Anjos, em 1855, por Luís Betencourt Esmeraldo, e depois, em 1904, construíram-se o de Francisco Cabral de Noronha e João Nepomuceno, no sítio dos Anjos, e o de José Pestana Reis, no sítio de São Tiago. No ano imediato, surgiu o de João da Silva Frade, João Fernandes, António Silva Gaspar.
Na Madalena do Mar, temos dois engenhos para o fabrico de aguardente, ambos movidos a água. No sítio da Riba surgiu, em 1858, o da firma Freitas Abreu & Cº, enquanto no sítio do Passo existiu, desde 1899, o de António da Silva Gaspar. Em 1887, tem-se notícia de que a firma Ferraz & Irmãos era detentora de um prédio com engenho.
A Ribeira Brava foi terra de açúcar, tendo instalado, no leito da ribeira, um engenho. Em 1853, aparece a sociedade entre José Maria Barreto e Jorge de Oliveira, que já possuíam uma moenda de tração animal e um alambique, avançando, em 1863, com outra hidráulica e a estrutura para fabrico de açúcar. Em 1902, foi alvo de novas reformas, quando pertencia à sociedade de João Romão Teixeira, António Gonçalves de Almeida e Luzia Correia Macedo. Foi demolido em 1941 e, no séc. XXI, alberga o Museu Etnográfico da Madeira. Na Tabua, no sítio da Praia, assinala-se, desde 1885, os engenhos de Valério Rodriguez da Cova, Francisco Gomes da Silva e Jacinta Rosa.
Em Câmara de Lobos, assinala-se a presença de vários engenhos, de que não restam vestígios. Um dos mais antigos estava no sítio da Palmeira, e fora erguido, em 1847, por ação de Manuel Martins e João da Silva. Na vila, mais propriamente na R. da Carreira, regista-se, em 1854, o segundo engenho de Tibúrcio Justino Henriques, preparado para aguardente e melaço. Na déc. de 50, assinalam-se ainda outros dois. Em 1857, João Figueira Quintal construiu um, no sítio do Ribeiro Real e, no ano imediato, Joaquim Figueira & Co construiu o do sítio de Jesus Maria José. Na linha de fronteira, a margem da ribeira dos Socorridos, que separa o município do Funchal do de Câmara de Lobos, tivemos o engenho dos Socorridos, o único que se manteve em atividade no decurso do séc. XVIII, o que é demonstrativo da persistência da cana nas proximidades. De entre os inúmeros proprietários, assinala-se a figura de D. Guiomar Madalena de Sá Vilhena. Da estrutura, persiste apenas a capela.
Era no Funchal que se concentrava o grupo mais importante de engenhos para fabrico de açúcar e aguardente. A maior concentração acontecia no espaço urbano, no eixo em torno da ribeira de Santa Luzia e na freguesia de São Martinho, a mais importante em termos de área de cultivo da cana. Junto ao calhau – posteriormente, Pç. do Pelourinho – tivemos a Fábrica de Açúcar de S. Filipe, propriedade de Henrique Figueira da Silva e que foi um dos mais destacados concorrentes do engenho do Torreão. Nas proximidades, à Trav. da Malta, instalou-se a Companhia Nova de José Júlio Lemos, que foi depois adquirida pela Casa Hinton. Na R. dos Netos, na proximidade da Ponte Nova, funcionou o engenho que Manuel Rodrigues construiu em 1863 e, perto das instalações do Ateneu, o de António da Silva Manique, de 1856, que deixou de funcionar em 1905. No Torreão, implantou-se, a partir de 1856, o engenho da família Hinton, muito posterior ao de Severiano de Freitas Ferraz, do outro lado da ribeira, nas proximidades dos Moinhos. Finalmente, à R. Major Reis Gomes, tivemos o engenho canavial, do conde de Canavial, erguido em 1870 com a designação de Companhia Madeirense do Açúcar. Junto à ribeira de São João, na Trav. de S. Paulo, João Justino Henriques implantou outra fábrica. Depois tivemos, ao Ribeiro Seco, o engenho de Aloizio César de Betencourt, engenheiro químico, que continua em funcionamento, depois de uma reforma em 1946.
Em Santa Cruz, assinalam-se dois engenhos na vila. Bartolomeu de Ornelas Frazão fundou aqui um engenho em 1858, a que se juntou outro, em 1863, no sítio da Serra de Água na Calheta, tendo contado com o apoio técnico dos Hinton. Há referências a um outro engenho no ano de 1902, pertencente a Joaquim José de Gouveia.
No concelho de Machico, assinalam-se dois polos industriais importantes, na vila e no Porto da Cruz. Na primeira, tivemos dois engenhos em funcionamento desde 1858. O do sítio da Estacada, de 1858, era propriedade de Manuel António Jardim, enquanto o do sítio dos Moinhos, da mesma época, foi de João Escórcio Câmara, estando, em 1904, em poder de João Carlos Aguiar.
No Porto da Cruz, ao sítio das Casas Próximas, tivemos dois novos engenhos, em 1858, para fabrico de aguardente, sendo um de João e Valentim Leal e o outro de Cândido Velosa de Castelo Branco. O primeiro, em 1901, estava na posse de João Baptista de Freitas Leal. As transformações da primeira metade do séc. XX obrigaram à reformulação dos engenhos, surgindo, em 1927, a Companhia dos Engenhos do Norte Lda., com o rateio de quatro engenhos que haviam deixado de funcionar na costa norte. O engenho em funcionamento foi adquirido em 1978, por Luís Alberto Andrade C. Clode.
Com o encerramento do engenho dos Hinton, em 1985, ficaram em funcionamento somente três engenhos (Ribeiro Seco, Porto da Cruz e Calheta), que apenas produziam aguardente e mel. Na vila da Calheta, existiram dois engenhos, mas, nos inícios do séc. XXI, funciona apenas um, restando apenas a fornalha e a chaminé do engenho fundado em 1908 por António Roiz Brás. O engenho em funcionamento existia já em 1901 e era pertença da firma Lopes & Duarte. Nesta data, o engenho movido a água foi adaptado para funcionar a vapor e água. Produz aguardente e mel. No Funchal, depois do encerramento do engenho dos Hinton em 1985, restou apenas o do Ribeiro Seco, fundado em 1883 por Aluísio César Betencourt. Só produz mel. Nas Casas Próximas, no Porto da Cruz, o primeiro engenho foi montado em 1858 por João Leal e Valentim Leal, para o fabrico de aguardente e mel. O segundo surgiu em 1927, na fase de encerramento da maioria dos engenhos do Norte, ficando este com a designação de Companhia dos Engenhos do Norte Lta., com o rateio da cana de quatro engenhos. Produz aguardente.
O engenho: estrutura e funcionamento.
A moenda e o consequente processo de transformação da garapa em açúcar, mel, álcool ou aguardente projetaram as áreas produtoras de canaviais para a linha da frente das inovações técnicas, no sentido de corresponderem às exigências cada vez maiores. A madeira e o metal foram a matéria-prima que deu forma à capacidade inventiva dos senhores de canaviais e engenhos. Na moenda da cana, utilizaram-se vários meios técnicos comuns ao mundo mediterrânico. A disponibilidade de recursos hídricos conduziu à generalização do engenho de água. Na Madeira, o primeiro engenho particular de que se tem conhecimento é o de Diogo de Teive, em 1452, que se veio juntar ao lagar do infante, onde se lavravam, obrigatoriamente, os açúcares do quarto. O infante, donatário da Ilha, detinha o exclusivo das infraestruturas, e quem quisesse utilizá-las deveria ter autorização. A estrutura resultou apenas nas áreas onde era possível dispor da força motriz da água, fazendo-se uso, nos outros casos, da força animal ou humana. O infante D. Fernando, em 1468, refere as estruturas, diferenciando engenhos de água, alçapremas e trapiches de besta. Até à generalização dos engenhos de cilindros horizontais, no séc. XVII, a infraestrutura para espremer as canas era composta do engenho ou trapiche e da alçaprema.
Não se conhecem dados que permitam esclarecer os aspetos técnicos do engenho. Apenas se sabe, segundo Giulio Landi, que, na déc. de 30 do séc. XVI, funcionava um com o sistema semelhante ao usado no fabrico de azeite:
“Os lugares onde com enorme atividade e habilidade se fabrica o açúcar estão em grandes herdades, e o processo é o seguinte: primeiramente, depois que as canas cortadas foram levadas para os lugares acima referidos, põem-nas debaixo de uma mó movida a água, a qual triturando e esmagando a cana, extrai-lhes todo o suco” (Id., Ibid., 225).
No entanto, já no séc. XV estes engenhos funcionavam na Ilha. Em 1477, temos um contrato com Álvaro Lopes para a construção de um engenho de mó, movido a água nas terras da Ponta do Sol.
O sistema era muito antigo e foi usado para triturar outros produtos, como o cereal e o arroz na China, o azeite e o pastel na Europa mediterrânica. No Mediterrâneo, a primeira notícia do uso da cana-de-açúcar surge na Sicília, em 1175, mas é anterior a essa data, pois já é referida na literatura árabe do séc. VIII, e na China está documentado desde o ano 400. A mó conviveu lado a lado com o pilão e o almofariz. O uso para espremer a cana está documentado na Índia, na Pérsia e na Palestina; a mais antiga descrição é de 1597, mas sabemos da sua utilização na Índia desde 300 a.C.
A tecnologia dos engenhos
Uma das questões que mais polémica tem gerado prende-se com a evolução da tecnologia usada para espremer a cana. O aparecimento e a generalização dos cilindros horizontais e, depois, verticais constituem um processo controverso que tem ocupado os especialistas, sem se conseguir alcançar qualquer consenso. Os cilindros tinham diversos usos. Na China, desde o séc. VI que sabemos do uso do engenho de dois cilindros horizontais para descaroçar algodão. Já na Europa foi dado outro uso aos cilindros, como a laminação de metais, tal como se poderá ver nos desenhos de Leonardo da Vinci.
São várias as hipóteses para a origem do sistema. Dois textos clássicos para o estudo do açúcar, de F. O. von Lippmann (1942) e Noel Derr (1874), deram o mote, atribuindo a descoberta a Pietro Speciale, prefeito da Sicília e importante proprietário que fez testamento em 1474. Esta tese foi rebatida por Moacyr Soares Pereira (1955) e Gil Methodio de Maranhão (1953), que demonstram a falta de fundamento da tese siciliana. Alguma historiografia castelhana atribui a invenção a Gonzalo de Veloza, vizinho da ilha de La Palma, casado com a jovem madeirense Luísa Bettencourt, que, em 1518, se diz “haber inventado un ingenio para azúcar” [“ter inventado um engenho para açúcar”], na ilha de São Domingos (Id., Ibid., 227). Todavia, os estudos sobre a história do açúcar no Oriente, nomeadamente na Índia e na China, reforçaram a ideia de que o sistema de moagem da cana por cilindros tem aqui a sua origem.
A ideia dominante é a de que o engenho de cilindros horizontais é originário da Índia, tendo chegado à China em 1433. A passagem para o sistema vertical ocorreu já na China, no séc. XVI. Estes engenhos de cilindros hegaram à América em 1600, altura em que temos a primeira referência no México, por mãos dos Jesuítas. David Ferreira Gouveia apresenta a evolução como resultado do invento do madeirense Diogo de Teive, patenteado em 1452. Outros apontam para a origem chinesa. O engenho de três eixos surge, mais tarde, no Brasil, sendo considerado também uma invenção portuguesa, inegavelmente ligada aos madeirenses aí radicados. A primeira referência aos eixos para o engenho data já do último quartel do séc. XV. Entretanto, em 1477, Álvaro Lopes tem autorização do capitão do Funchal para que
“faça hum enjenho de fazer açúcar que seja de moo ou d’alçapremas, ou doutra arte […] o qual enjenho será d’augoa com sua casa e casa de caldeiras”. Depois, em 1485, D. Manuel isentava da dízima “quaesquer teyxos que forem necesarios para eyxos esteos cassas latadas dos enjenhos e tapumes”. Em 1505, Valentim Fernandes refere que o pau branco era usado no fabrico de “eixos e parafusos pera os engenhos de açúcar” (Id., Ibid., 228).
A isto associa-se o inventário do engenho de António Teixeira, no Porto da Cruz, em que são referidos como aprestos: rodas, eixos, prensas, fornalhas, espeques. Também noutro documento, de 1546, se refere a existência deste tipo de engenho nas fazendas de Manuel d’Amil, em Câmara de Lobos, foreiras ao Convento de S.ta Clara, pois o mesmo declara que “aquele ano mandou fazer a roda nova por ser velha a que estava e não aproveitar para servir e os eixos servirem um ano” (Id., Ibid.). Por fim, tenha-se em conta que os primeiros engenhos construídos no Brasil, mais propriamente em São Vicente, são de eixos, e que estes foram feitos por destros carpinteiros madeirenses que acompanharam o Gov. Mem de Sá.
A tudo isto deverá juntar-se o facto de que foi a partir da Madeira que se generalizou o consumo do açúcar, sendo necessária uma produção em larga escala deste produto. A pressão do mercado europeu conduziu a uma rápida afirmação da cultura, na segunda metade do séc. XVI, situação que só seria possível alimentar pelo recurso a inovações tecnológicas capazes de atenderem a tais solicitações. A evolução para o sistema de cilindros não reverte no melhor aproveitamento do suco da cana, mas sim em vantagens acrescentadas para a rapidez do processo de esmagamento. A situação que se vive na Madeira, a partir de meados do séc. XV, é de incremento da cultura, aliada a inovações tecnológicas de que o engenho de Diogo de Teive foi certamente o primeiro exemplo. Se as referências forem indício dos engenhos de cilindros, quer dizer que é na Madeira que se encontra a mais antiga referência a esta tecnologia no espaço atlântico e que será a partir da Madeira que a mesma se difunde.
Os madeirenses estiveram ligados à promoção da cultura e à construção dos primeiros engenhos açucareiros nas ilhas Canárias, nos Açores, em São Tomé e no Brasil, chegando mesmo ao Norte de África, situação que foi interditada pela Coroa, em 1537. Por outro lado, a origem dos engenhos não poderá associar-se a uma influência direta da Índia ou da China, onde estiveram muitos madeirenses, uma vez que as primeiras referências são anteriores à primeira viagem de Vasco da Gama. Perante tantas evidências, não é possível afirmar com toda a certeza que a expansão dos engenhos de cilindros se fez a partir do Funchal. Terá de continuar-se no domínio das hipóteses, pois faltam descrições e gravuras que sejam testemunho disso; dificilmente se terão certezas sobre os primórdios da evolução do sistema de cilindros na moagem da cana sacarina.
O engenho e a época da Revolução Industrial
O aumento da cana para a moenda e a inexistência nos engenhos tradicionais levou à rutura na laboração. Perante isto, colocou-se a necessidade de modernização do parque industrial, uma opção cara que, por isso mesmo, teve algumas dificuldades em ser concretizada. Nas iniciativas de modernização, como sucedeu com a Companhia Fabril do Açúcar (1868), os industriais madeirenses puseram o seu principal empenho. Os sécs. XIX e XX marcam o momento da grande inovação tecnológica dos engenhos e da forma de fabrico do açúcar. A revolução industrial terá sido provocada pela abolição da escravatura e pela crise que atingiu o mercado internacional do açúcar, a partir de 1880. O uso da máquina a vapor teve lugar na Jamaica em 1768, mas foi só a partir de meados do séc. XIX que a mesma se generalizou. A inovação técnica é favorecida pela concentração das estruturas industriais, resultado de uma política governamental que teve na déc. de 20 do séc. XX a sua máxima expressão. No Brasil, deu origem aos chamados engenhos centrais, enquanto na Madeira foi o princípio da total afirmação do engenho dos Hinton.
Durante o séc. XVIII e até princípios da centúria seguinte, existiu apenas um engenho em funcionamento, à ribeira dos Socorridos. A partir da déc. de 50, o panorama é distinto e a cana volta a ocupar um lugar de destaque, ocupando metade da superfície cultivada em 1850. Deste modo, aumentou o número de engenhos, sendo referenciadas, em 1851, quatro fábricas de refinação de açúcar, quatro engenhos de moer cana e três fábricas de aguardente. Em Câmara de Lobos, a cultura teve grande incremento, uma vez que são referenciados três novos engenhos em 1854. A situação alastrou a toda a Ilha e levou à promoção de novos engenhos ou à reativação de antigos, uma vez que, em 1856, temos já 80, e 10 fábricas de destilar aguardente. Aqui, há que distinguir as fábricas de moer cana e os engenhos para fabrico de açúcar e destilação de aguardente. Os engenhos de moer apresentavam duas rodas na disposição horizontal, enquanto os movidos por bois tinham-nas na posição vertical.
Em 1934, um decreto estabeleceu claramente a situação: proibiu-se a construção de mais engenhos até 1953, e os existentes não podiam laborar açúcar, atividade que era exclusiva do engenho do Torreão, tendo sido apenas autorizados os melhoramentos. Pior foi o que sucedeu em 1954, com o decreto que determinava a concentração dos fabricantes de aguardente em apenas três fábricas. Os engenhos do Norte ficaram reunidos na Companhia dos Engenhos do Norte, com sede no Porto da Cruz.
Bibliog.: A Questão Sacarina da Madeira: Analise ao Decreto n.º 15831 de 10 de Agosto de 1928. Série de Artigos Publicados no Diario da Madeira, Lisboa, José de Melo, 1929; CALÇADA, Visconde da (Diogo de Ornellas de França Carvalhal Frazão Figueiroa), Justificação do Visconde da Calçada à Arguição que lhe foi feita e Apreciação do Processo Crime Instaurado na Comarca Occidental do Funchal promovido por Diogo Perestrello da Camara, Lisboa, Typographia Universal, 1873; Id., A Economia da Madeira (1850-1914), Lisboa, Instituto de Ciências Sociais, 2002; Id., “A Madeira e o proteccionismo sacarino (1895-1918)”, Análise Social, vol. xxxiii, 145, 1998, pp. 117-143; CANAVIAL, Conde do (João da Câmara Leme Homem de Vasconcelos), Um Privilegio Industrial. Cartas a Diversos Jornaes pelo Visconde do Cannavial, Funchal, Typographia Funchalense, 1883; Id., A Companhia Fabril do Assucar Madeirense. Roberto Leal e o Dr. Tarquino T. da C. Lomelino, Funchal, Typographia Popular, 1879; Id., Uma Acção Civil contra o Sr. 11 V. Hinton, Fabricante de Assucar e de Aguardente na Cidade do Funchal (Ilha da Madeira) como Contrafactor de Um Processo Industrial de Que Tem Patente de Invento Dr. João da Camara Leme de Vasconcellos, Visconde do Cannavial, Funchal, Typographia Popular, 1884; DEERR, Noël, The History of Sugar, 2 vols., London, Chapman and Hall, 1949-50; FERRAZ, João Higino, Açúcar, Melaço, Álcool e Aguardente. Notas e Experiências de João Higino Ferraz (1884-1946), Funchal, CEHA, 2005; Id., Copiadores de Cartas (1898-1937), Funchal, CEHA, 2005; FRUTUOSO, Gaaspar, Saudades da Terra. História das Ilhas do Porto Santo, Madeira, Desertas e Selvagens, anot. Álvaro Rodrigues de Azevedo, liv. ii, Ponta Delgada, Instituto Cultural de Ponta Delgada, 1981; GALLOWAY, J. H., The Sugar Cane Industry: An Historical Geography from Its Origins to 1914, Cambridge/New York, Cambridge University Press, 1989; GOUVEIA, David Ferreira de, “O açúcar e a economia madeirense (1420-1550). Consumo de excedentes”, Islenha, n.º 8, 199l, pp. 11-22; Id., “A manufactura açucareira madeirense (1420-1450). Influência madeirense na expansão e transmissão da tecnologia açucareira”, Atlântico, n.º 10, 1987, pp. 115-131; Id., “Gente d’engenho”, Islenha, n.º 13, 1993, pp. 81-95; História do Açúcar – Fiscalidade, Metrologia, Vida Material e Património, Funchal, CEHA, 2006; História do Açúcar: Rotas e Mercados, Funchal, CEHA, 2002; História e Tecnologia do Açúcar, Funchal, CEHA, 2000; INÊS, Artur, Um Bôdo Indecoroso (a Burla do Açúcar), Lisboa, Editorial Republica, 1933; JESUS, Quirino Avelino de, A Nova Questão Hinton, Lisboa, Germano da Silva, 1915; Id., A Questão Sacharina da Madeira, Lisboa, Typographia de A Editora, 1910; LIPPMANN, Edmund O. von, Historia do Açucar desde a Época mais Remota até o Começo da Fabricação do Açucar de Beterraba, Rio de Janeiro, Instituto do Açucar e do Alcool, 1942; LIZARDO, João, “Em torno dos vestígios materiais dos primeiros tempos do povoamento: Os capitéis ‘genoveses’ da capela do Loreto, no Arco da Calheta, uma possível identificação de peças artísticas de origem italiana na ‘Madeira do açúcar’”, Ilharq, n.º 7, 2007, pp. 24-29; NUNES, Cesário, Política sacarina, Funchal, ed. do Autor, 1940; NUNES, Naidea, Palavras Doces: Terminologia e Tecnologia Históricas e Actuais da cultura Açucareira, Funchal, CEHA, 2003; OLIVEIRA, Maria João, «O engenho de cana-de-açúcar de Santa Cruz”, Xarabanda, n.º 2, 1992, pp. 46-48; Id., “O engenho de cana-de-açúcar de Machico. Arqueologia industrial – um espaço em aberto”, Xarabanda, n.º especial, 1993, pp. 43-46; Id., “O engenho de cana-de-açúcar do Porto da Cruz. Arqueologia industrial – um espaço em aberto”, Xarabanda, n.º 4, 1993, pp. 26-34; Id., “O engenho de cana-de-açúcar do Faial. Perspectivas da arqueologia industrial na R.A.M.”, Xarabanda, n.º 5, 1994, pp. 32-36; ORNELAS, João Augusto, João Augusto d’Ornellas e a Nova Fabrica do Assucar, Funchal, Typographia Variedades, 1871; Id., A Companhia Fabril de Assucar Madeirense os Seus credores e o Sr. Dr. João da Camara Leme, Funchal, Typographia do Direito, 1879; PEREIRA, Fernando Jasmins. Estudos Sobre História da Madeira, Funchal, CEHA, 1991; PESTANA JUNIOR, Manuel Gregório, O Problema Sacarino da Madeira. Subsídios para o Estudo e Resolução da Chamada “Questão Hinton”, Funchal, Tipografia Esperança, 1918; RODRIGUES, José Agostinho, As Questões Vinícola e Sacarina da Madeira e os Decretos n.° 13.990, 14.167 e 14.168 Respectivamente de 23 de Julho e 25 de Agosto 1927, Lisboa, Tipografia Portugal, 1928; SARMENTO, Alberto Artur, História do Açúcar na Ilha da Madeira, Funchal, s.n.,1945; SILVEIRA, José Marciliano da, A Companhia Fabril de Assucar Madeirense os Seus Credores o “Athleta” e o Snr. Dr. João da Camara Leme, Funchal, Typographia da Voz do Povo, 1879; SOARES, Maria de Fátima, “Os engenhos na costa do norte”, Xarabanda, n.º 13, 1994, pp. 32-36; SOUSA, João José Abreu de, “No ciclo do açúcar”, Islenha, n.º 5, 1989, pp. 51-59; TRINDADE E VASCONCELLOS, Joaquim Ricardo da, Resposta aos Fundamentes do Recurso Interposto perante o Conselho de Estado por S. Majestade a Imperatriz D. Amelia e Outros do Despacho pelo Qual o Governador Civil Concedeo Licença para a Fundação duma Fabrica de Assucar e de Distiliação d’Aguardente na Cidade do Funchal, Funchal, Imprensa da Revista Judicial, 1867; VIEIRA, Alberto, “Consequências do povoamento e o ciclo do açúcar na Madeira nos séculos xv e xvi», in ALBUQUERQUE, Luís de (dir.), Portugal no Mundo, vol. i, Lisboa, Alfa, 1989, pp. 221-223; Id., “A cana-de-açúcar e o meio ambiente nas ilhas”, Islenha, n.º 34, 2004a, pp. 21-34; Id., “A civilização do açúcar e a Madeira”, in FRANCO, José Eduardo (coord.), Cultura Madeirense – Temas e Problemas, Porto, Campo das Letras, 2008, pp. 56-80; Id., “Açúcares, meles e aguardente no quotidiano madeirense», in O Açúcar e o Quotidiano. Actas do III Seminário Internacional sobre a História do Açúcar, Funchal, CEHA, 2004b, pp. 15-27; Id., “O açúcar na Madeira. Séculos XVII e XVIII”, in Actas do III Colóquio Internacional de História da Madeira, Funchal, CEHA, 1993, pp. 325-344; Id., O Açúcar, Funchal, Edicarte, 1998; Id., “A Madeira na história do açúcar e da tecnologia no espaço atlântico”, in XVI Coloquio de Historia Canario-Americana (2004), Las Palmas de Gran Canaria, Cabildo de Gran Canaria/Casa de Colon, 2006, pp. 1788-1808; Id., Canaviais, Açúcar e Aguardente na Madeira: Séculos XV a XX, Funchal, CEHA, 2004c; Id., “Escravos com e sem açúcar na Madeira”, in Escravos com e sem Açúcar. Actas de Seminário Internacional, Funchal, CEHA, 1996, pp. 93-102; Id., O Comércio Inter-insular nos Séculos XV e XVI, Funchal, CEHA, 1987; Id., “O regime de propriedade na Madeira. O caso do açúcar (1500-1537)”, in Actas do I Colóquio Internacional de História da Madeira.1986, Funchal, DRAC, 1989, pp. 539-611; Id., “Canaviais, açúcar e engenhos. Bibliografia fundamental”, in O Açúcar e o Quotidiano. Actas do III Seminário Internacional sobre a História do Açúcar, Funchal, CEHA, 2004d, pp. 387-396; Id., Entender o Deve e o Haver das Finanças da Madeira, Funchal, CEHA, 2012; Id., e CLODE, Francisco, A Rota do Açúcar na Madeira, Funchal, ARAP, 1996.
Fonte: Aprender Madeira (Alberto Vieira)
0 comentários:
Enviar um comentário