04 setembro 2019

A descasca e a desfolha

23:34

Artigo de opinião por Gil Rosa.

A vida no campo é tramada.
Tramada pela dureza das tarefas e por vezes enfadonha.
Hoje vou descrever duas das actividades que recordo - agora com agrado - dos tempos de infância: a desfolha do milho e a operação de descascar feijão seco.
Começo por esse produto que é marca de Santana.
O milho quando está em maçaroca é bom para comer de várias maneiras: cozido ou assado.
Quem não aprecia uma bela maçaroca de Santana, cozida e barrada com manteiga, ou então, assada na brasa, salpicada com sal grosso e barrada com manteiga, ou até mesmo, numa sopa com carne de porco salgada, feijão, couve e massa grossa.
Depois quando seca, é preciso apanhá-lo, desfolhá-lo, secá-lo, “esbangar“ e voltar a secar antes de o moer.
Tudo começa na fazenda.
Apanhava-mos as maçarocas que eram colocadas em sacas de lona ou cestos de vindima e transportado para um quarto lá da casa.
Eram colocadas de forma amontoada. Depois, normalmente ao final do dia, os vizinhos, familiares e amigos juntavam-se para a desfolha.
A malta sentava-se à volta numa espécie de roda… uns tiravam a folha outros juntavam as maçarocas descascadas e amarravam-nas em “pinhas”.
No dia seguinte este monte de “pinhas” tinha de ser colocado ao sol. E tudo servia. As cumeeiras da casa, árvores e havia até quem construísse uma estrutura denominada de “gastalho”.
O milho ficava aí um certo tempo. Posteriormente vinha a operação de separar os grãos. Nesse tempo já havia uma pequena máquina, mas muita da operação era feita à mão, maçaroca a maçaroca.
O “esbangar” o milho - como lhe chamavam -consistia em separar o grão do carrilho. Em abono da verdade não era tarefa fácil retirar os grãos de forma manual, para além de ser um trabalho demorado era também um bocado difícil e, quando era feito durante períodos longos, provocava bolhas nas mãos. Era duro e cansativo.
Os montes de grão, tinham de voltar novamente ao sol. Todos os espaços eram aproveitados. Recordo-me da minha mãe usar cobertas das camas e mais tarde grandes pedaços de plástico que eram estendidos no terraço, nos terreiros e até na estrada. Quando era na estrada e por vezes quando vinha algum carro, lá tinha de ir alguém a correr afastar o milho para a viatura passar.
Este processo era repetido várias vezes até ficar no ponto. Pelo meio ainda era peneirado ao vento.
Já bem seco era guardado dentro de caixas de madeira de grande porte para ser levado ao moinho ao longo do ano.
Com o feijão o processo era muito parecido.
Também quando ficava seco, tinha de ser descascado, para utilizar na comida ou para ficar para semente para ser plantado novamente.
Apesar de todo o esforço, recordo que a desfolha ou a descasca eram feitas em ambiente de boa disposição, onde não faltavam as anedotas, histórias e até havia quem cantarolasse.
Para alegrar mais o ambiente lá de vez em quando circulava um copo de vinho, vindo diretamente da pipa. Durante a desfolha do milho havia sempre quem encontrasse uma maçaroca de milho vermelho. Chamavam-lhe milho rei. Era uma festa.

Fonte: JM-Madeira

Escrito por

A Academia Madeirense das Carnes - Confraria Gastronómica da Madeira é uma associação sem fins lucrativos, que promove e defende a Gastronomia Regional Madeirense e todo o seu partimónio cultura.

0 comentários:

 

© 2013 Confraria Enogastronómica da Madeira. All rights resevered. Designed by Templateism

Back To Top