A NOSSA HISTÓRIA
Contada por quem nos leu a alma:
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Do vinho da Madeira, o relato mais comum é que regou a independência dos Estados Unidos, o que já não seria coisa pouca. Algumas referências incluem-no também como nota literária em obras como “Henrique IV” de Shakespeare e há quem se lhe refira como o “vinho da eternidade” devido ao seu prazo alargado de consumo.
E, em regra, este é “o” vinho da Madeira de que ouvimos falar e que vem nos livros da História.
A história que hoje aqui trazemos é outra. Tem pouco mais que um par de anos e, apenas partilha com a ancestral, o facto de ser sobre um vinho que surge por acidente. Falamos do Terra Bona, um vinho branco da Madeira, premiado com medalhas de bronze em dois dos concursos de vinhos mais prestigiados, o IWC e o Decanter, em Londres, e com uma pontuação de 90 pontos pelo conceituado crítico americano Robert Parker.
Tudo isto num vinho que não estava nos planos de Marco Noronha Jardim e de Maria João Velosa quando compraram a Quinta do Cardo, na freguesia da Boaventura, na Madeira. Aliás, o vinho – ou para sermos mais exatos, a vinha que existia no terreno da quinta, começou por ser um problema.
No relato direto: “Este projeto nasce de termos encontrado este terreno e nos apaixonarmos por ele. Ou melhor, eu apaixonei-me e a primeira coisa que fiz foi telefonar à Maria João a dizer ‘vi um terreno fantástico e tens de cá vir. Tem um problema, tem vinha’”, conta Marco Noronha Jardim.
Cinco anos depois, o “problema” transformou-se num vinho premiado, elogiado e que mudou o rumo da própria quinta adquirida para propósitos turísticos e agora adaptada a servir também uma vinha e um negócio suportado no vinho. O “projeto de reforma” dos dois bancários transformou-se assim numa aventura pelos vinhos que ainda agora está a começar.
Voltando ao início.
Era uma vez uma quinta, localizada em plena Floresta Laurissilva, património mundial, e que tinha lá plantada uma vinha abandonada com 22 anos em relação à qual os novos proprietários não sabiam bem o que fazer. De conversa em conversa, e tendo presente que queriam fazer do espaço um local privilegiado de agro-turismo, decidiram pedir ajuda e apoio para a recuperar. E em 2016 decidiram agarrar a vinha e produzir um vinho: “a nossa ideia era produzir algumas garrafas de vinho para vender no projeto turístico”.
Contrataram ajuda profissional, recuperaram a vinha e introduziram um conjunto de atividades “tendencialmemte biológicas” e com respeito pelo meio ambiente. O que é que isso significa? Basicamente “não deitamos remédios nem herbicidas” e “o terreno está ¾ do ano em biológico e entre abril e agosto é que há um conjunto de tratamentos com produtos fitossanitários”. Daqui resulta que sejam “o primeiro produtor com as vinhas licenciadas em produção integrada”.
Mas não percamos de vista o vinho. Em 2017, Marco e Maria João têm então o seu primeiro vinho. Tecnicamente um produto da casta Arnsburger através de um cruzamento com origem na casta Riesling. Para leigos, a casta alemã Arnsburger é muito semelhante aos ditos Rieslings, castas da Alsácia francesa de onde resultam vinhos muito aromáticos – e já bem conhecidos mundo fora.
“Nós fizemos um vinho com o que tínhamos, introduzimos 10% de verdelho de umas vinhas de uma tia da Maria João”, conta Marco, “a nossa ideia era que o vinho fosse bebível, com toda a franqueza”.
De bebível, o vinho – branco - da vinha abandonada passou a coqueluche junto a amigos e pessoas a quem iam dando a provar. Mas, na dúvida – seria gentileza? – Marco e Maria João decidiram “avaliar ao mais alto nível” aquilo que “toda a gente dizia que era maravilhoso”. E é aí que surgem os concursos de vinho em Londres e a avaliação de Robert Parker. Foi a prova que o vinho era, de facto, bom, e também que “na Madeira podem fazer-se bons vinhos brancos”.
A partir daí o projeto transformou-se. As unidades turísticas, cuja construção se deverá iniciar entre novembro deste ano e Janeiro de 2020, reduziram-se de seis para cinco para preservar ao máximo as vinhas existentes e os proprietários da Quinta do Cardo decidiram criar uma micro-adega para produção de três vinhos distintos, 1500 garrafas não mais. “Pequenas produções, pequenos lotes de outros vinhos com parcerias de outros produtores da região”, dizem.
Nestes três anos, os dois bancários que procuravam um projeto de vida alternativo, aprenderam também muito sobre a vinha e o vinho. “Nós acreditamos é que é possível fazer excelentes vinhos na Madeira e que é preciso ter o controlo da produção da uva”, afirmam. Este ano, os dois selecionaram uvas bago a bago, tiraram todos os bagos estragados de todos os cachos. No dia seguinte começaram a vindima às 5 da manhã para evitar maturação da uva depois de apanhada e antes de entrar na adega. Assim, dizem, “toda a uva que entra na adega é uva boa e isso tem um impacto brutal no produto final”.
O projeto turístico também mudou – será turismo mas ligado à vinha, batizado em conformidade como Terra Bona Nature & Vineyards. Mas tudo se manterá pequeno, quase artesanal. “Temos como compromisso ter um terço da produção para o mercado de Lisboa e Porto, um terço para mercado regional e um terço para nós”.
Nasceu assim o ‘Terra Bona’ Family Harvest, uma história improvável de um vinho branco da Madeira.
Uma vinha pequena, uma uva escolhida à mão. “É assim que é e não vai mudar”, dizem os donos.
Rute Sousa Vasco, e Rodrigo Moreira Rato
In "Sapo24" 10.09.2019
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Ler o artigo
Maria João, Marco e filhos
Terra Bona Wine Family
OUR WINE HISTORY
Told by those who read our souls:
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Of Madeira Wine, one of the most common knowledge is that it was served in the independence of the United States, which would no longer be a small thing. Some references also include it as a literary note in works such as "Henry IV" by Shakespeare and some refer to it as the "wine of eternity" due to its extended consumption period.
And, as a rule, this is “the” Madeira wine that we hear about and that comes from the history books.
The story we bring here today is another. It has little more than a couple of years and only shares with its ancestor the fact that it is about a wine that comes by accident. We speak of Terra Bona, a white wine from Madeira, awarded bronze medals in two of the most prestigious wine competitions, the IWC and Decanter in London, and with a score of 90 points by renowned American critic Robert Parker.
All this in a wine that was not in the plans of Marco Noronha Jardim and Maria João Velosa when they bought Quinta do Cardo, in the parish of Boaventura, in Madeira. By the way, wine - or to be more exact, the vineyard that existed on the farmland, began to be a problem.
In the direct report: “This project comes from having found this property and falling in love with it. Or rather, I fell in love and the first thing I did was call Maria João saying "I saw some fantastic land and you have to come here." There is a problem, it has a vineyard”, says Marco Noronha Jardim.
Five years later, the “problem” became a prized, praised wine that changed the course of the property itself purchased only for tourism purposes and now adapted to serve a vineyard and a wine-based business as well. The “reform project” of the two bankers has thus become a wine adventure that is just beginning.
Back to the beginning.
Once upon a time there was a land, located in the heart of the Laurissilva Forest, a World Heritage Site, which had a 22-year-old abandoned vineyard planted there for which the new owners were unsure what to do. Conversation by conversation, and bearing in mind that they wanted to make a privileged place for agri-tourism, they decided to ask for help and support to recover it. And in 2016 they decided to grab the vineyard and produce a wine: “our idea was to produce some wine bottles to sell in the tourism project”.
They hired professional help, recovered the vineyard and introduced a set of “environmentally minded and environmentally friendly activities". What does that mean? Basically "we do not throw herbicides" and "the land is ¾ of the year in organic and between April and August there is a set of treatments with phytosanitary products". As a result, they are “the first producer with licensed vineyards in integrated production”.
But let's not lose sight of the wine. In 2017, Marco and Maria João had their first wine. Technically a product of the Arnsburger variety, originated from the crossing of Riesling varieties. For laymen, the German Arnsburger grape variety is very similar to the so-called French Alsace Rieslings grape varieties from which, very aromatic wines are produced - and already well-known around the world.
“We made a wine from what we had. We introduced 10% of Verdelho grape from the vineyards of Maria João aunt,” says Marco, “our idea was that the wine was drinkable, honestly”.
From drinkable, the white wine of the abandoned vineyard came to be celebrated among friends and people to whom they were tasting. But in doubt - would it be kind? - Marco and Maria João decided to “evaluate at the highest level” what “everyone said was wonderful”. And that's when the London wine contests and Robert Parker's evaluation come up. It was proof that the wine was indeed good, and also that “in Madeira you can make good white wines”.
From then on, the project changed. The tourist units, which will start construction between November this year and January 2020, have been reduced from six to five to preserve the existing vineyards to the full and the owners of Quinta do Cardo decided to create a micro winery for the production of three new distinct wines. 1500 bottles no more. “Small productions, small lots of other wines with partnerships with other producers in the region,” they say.
In these three years, the two bankers looking for an alternative life project also learned a lot about the vineyard and wine. “We believe it is possible to make excellent wines in Madeira and for that we need to have total control of grape production,” they say. This year, the two selected grape berries from berry to berry, removed all the damaged berries from all the bunches. The next day the harvest began at 5 am to prevent grape ripening after picking and before entering the cellar. So, they say, "every grape that goes into the winery is a good grape and it has a brutal impact on the final product."
The tourism project has also changed - it will be tourism but linked to the vineyard, named accordingly Terra Bona Nature & Vineyards. But everything will remain small, almost handmade. “We are committed to having one third of the production for the Lisbon and Oporto markets, one third for the regional market and one third for us.”
Thus was born the 'Terra Bona' Family Harvest, an unlikely story of a white wine from Madeira.
A small vine, a handpicked grape. “This is how it is and will not change,” say the owners.
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