TEXTO,
em Madeirense, para o XII CAPÍTULO
da
Academia
Madeirense das Carnes - Confraria Gastronómica da Madeira
(29
Abril 2012)
"Aquintrodia,
tava eu aprantado à frente da meinha tilvisão, despois dum dia de trabalho
penoso, passado na fazenda a malhar cum as arcas nos camalhões das mantas do
poio, sóa pra prantar um semelhal, cande o tilfone mai p’quineinho empeceu numa
zuneida desvairada.
- Aie mê Deus, queim me quer atentar agoira qu’eisto tá mai que bom? Logo cande
tave passeando deiante de meim, um carreire de moiças destaivadas, todas elas a
modes qu’ua banana descascada. Aqueilhe era bem bom de se enxergar alei no
escuro da sala. Ua beleza mai nunca avistada, obra da mãe natureza. E o qu’é fremoso
eia pa se ver! Ua conscênça! Muneitas, muneitas, de verdade! Ua leindeza! Mai
muneitas q’ei Mareinas de lá ein baixe, da rocha da Ponta do Sole e do
Campanário. Amecês sabe do que tou falande. Nã sabe?? Ah! Est’pôre! E tamém
sabe cuma eia… um hôme nã eia de ferro. Alhe, nã se esquecer q’o ferro tamém s’averga.
A minha patroa inté já tava aferrada no sono, roncando cum’a porca da
Marqueinhas do Fôre.
Mas tava eu a dezer… case já m’esqueceia…
eia asseim, a gente se vai pá eidade… eisto é ua digrácia!... Ah! A modos que
foi tresantonte, à alpardeinha, cande o treme-treme zoinou ceinco vezes a reio.
Claro, mêmo cramando das aduelas e ui regetes a tocar musca, atendei cum todo o
respeito. Nunca se sabe quem vai botar faladura do outro lado do feio. Mai que
surpresa! Deveia preceisar d’ajuda. E atão!!! Não era qu’era o hôme mai piqueno
do sítio, o sr. Gregôrio, esse mêmo, o do Estreito?! De quem o raio da peste se
foi alembrar? D’eu! Logo eu! Cá pra meim, teinha estupurado com algum cliente
malcriado, asseim um cangalho dum hôme, que não quereia pagar a conta da
espetada. Cá pá gente, que nã nuis ouve: Ele nã é hôme para se alcançar cuis
outros. Nã é por míngua de tamanho. Atão cuma é: “Um hôme nã se mede ai palmos”… eisse é p’ai milheres. O senhor do
restaurante tem um gênio forte e sabe entender ei coisas. E asseim é que deve
ser! Mas… menos cheinfreim e mais história, que se faz tarde. O sr. Gregôrio teinha
um conveite para eu vir aqueim, d’meitado, c’amecês. Eu einda rispostei:
- Si tá reinando comeigo, nã tá?
Ele
que nã, eu que seim, ele afincava que nã, olha, calei-me, canã eia aparecer
mais a tilfonia da Rádio Girão a dar musca pedeida.
Pois
tá clare qu’aceitei o conveite e a gente se acertou o combinado. Nã fosse ei
misses da tilvisão ouveir-me a falar alto e einda podeiam pensar qu’eu tava
chamando o Gregôrio, feito bêbado tarraço. Aos pois, d’outra vez, metei-me no
horário da Companheia, p’á Feijã dei Galeinhas, e veim por aeí fora, v’giando
ui quefazeres dos hômes da fazenda. Nã tá nada mal ataganhado, nã s’hore! Eisto
eia gente que dá na terra einté mai nã poder. A gente se falou lá ein ceima, no
Pateim, e acertámos o que havera de suceder. Atão nã é qu’o hôme me falou pá
função dos “Ameigos…ameigos…”, aei cuma eia… se me foisse da cach’mônia…
qualquer coisa asseim… “… da Carne… Confrar… frar … pois eia, a “Confraria dei
Carnes da Madeira”.
- Bom gosto tem ele, o sr. Gregôrio. Há pra aeí cada rolo de carne a pastar no
caminhe, qu’é um regalo puis ôlhes.
Ah!
Senhor, atão agora é asseim? Ei
Confrarias nã son deis igreijas, de Nossa Senhora da Graça e do Santíssimo
Sacramento, mais ei dui Santos todos? Eu einté f’quei meio arreleiado. Será
qu’o sr. Santo Papa, de Roma, sabe deisto? Credo, Cruzes canhoto! Ai Jasus,
seja tudo p’lo amor de Deus im desconto dui nossos pecados. Avante, que o dia
vai pecando! Atão, f’quei a saber qu’essa tal de Confraria dei Carnes é um
grupo de hômes e mai milheres _ qu’elas fale tante de dreites e ingualdade cuis
hômes, mais afinal ande mai tortas qu’um cepo de vides ou qu’as curvas todas
dos caminhes da ilha. É ver o que vai eí fora! A gente teira o barrete! Fala-se
dei milheres, mas se nã fosse elas nã havia hômes. E tamém é precise d’zer que
se nã fosse uis hômes elas nã existiam. Mas avante…
Afeim
de contas, a tal Confraria se reúne para falar de comeres da nossa terreinha, a
ilha da Madeira. Quer se d’zer, falar e comer os comeres da nossa Região. E tá
claro, há-de haver p’lo meio, lugar pa’ua peingueinha, pa molhar ei goelas.
Qu’a seco, já custa o que o sr. Governo manda a gente engolir. Eles cá tão
sempre a s’alambar do povo. É “come e não
bufa”.
Einda
pus-me a ceismar, a matutar, … mei de trejeito a nã maneiar…. e achei qu’eles
têm razão do que fassem. S’a gente s’ouve tanto falar dei coisas dessas terras
dos outros, por eí além, por que razão nã se vai de falar dei nossas? E há
tanta coisa munita por í à volta. Inf’lizmente, há quem só einxergue
mamarrachos e digrácias qu’inté parece que só sabe d’zer mal. Má leíngua a
deles! É gente reles e má cum’ei cobras. Amecês que vigie à roda: Tanta leindura,
tanta coisa muneita p’uis olhos vere, pa orelhas escutare, pa boca falare, po
nareiz cheirare e pa gente apalpare. A Natureza eia um espante! Louvado seja
Nosso Senhor! E por trás? Eh! Todo o mundo sabe qu’eia precise “comere p’ra vivere”. Nã se veive eia pa
comere, qu’eisse eia feio e fai mal à saúde. Ein segueida, apanha-se um ror de
maleitas que pr’aí hai, qu’um feica atarantado. E eia sempre o prove quem se
trompeica. Einda s’alembre dui mancebos que veinhe da Brezuela cum bandulho
redonde e atestados de oire nui braços e nu pescoço, p’a falar rapareiga p’a
casare? Eisse foie do tempo das árvores dui bolivres. Ingora, pecou tude.
Mas…
eimbora que faz tarde! Amecês já eimaginare o goste de uma refeição da terra
sem aquelas coisas arteficiales que botam na cozedura? Imaginem qu’eisto eia um
restaurante, sem aqueles salamaleques todos, aquelas fnezas que só prestam para
se pagar mais. E deixem ei coiveinhas, o meilhe, os ispigues, o brigalhó mais o
arroz e a massa p’os dias da semana, eim casa. Eisto de comer nã ia só
frangolho. E se um tá debiqueiro, só c’u cheiro… alhe…, é cuma o peimpolho do
Calvário, cande a mãe o mandou à venda mercar uma neiqueinha de salsa e veie
p’lo cameinhe abaixe, com’um demoine, a chungalhar ui badales da vizinhaça. Ca
pressa toda, trompicou-se numa calçada do chão, abicou-se cas fussas no areão
do alcatrão e acabou atazanado ca pucra eimeigalhada e um ror de mamulhes.
Cande chegou eim casa, às Avé Mareias, todo sovento e olharento e já a entujar
o comer, a mãe deu-lhe ua rezonda e mai disse:
- Tens o buche virado? A meim nã me pisou nada! Neicles!
Cá
pra meim, mai parece coisa de feit’ceiras. Qu’eu nã acredeite neisse, … mas… deizem
qu’elas ande por eí.
Tava
eu a d’zer, se bem m’alembro, qu’eisto de comer nã é só frangolho. P’ra
começar, p’abrire a vontade de comere, uma poncheinha de limão, bem batida, com
o caralheinho e tudo, qu’eisto por veia do freio eia ua tremura. Imentes se
espera um bocado pelo prato, treinca-se uns pedaços de bolo do caco com
manteiga de alhe, vai-se provando o veinho e a bilhardeice eia um vê se te
aveias. Aie mê Deus, qu’alegreia! A seguir, vem a sopeinha de abóbra e feijão
com çabolas, pimprinelas, um naco de massarocas e claro, abóbra amarela. Hum!
Que regalo! Ou o capreicho dum cozido de coives quenteinhe, o saboroso paladar
da carne de porco salgada, do inhame, dei semeilhas, dui nabos e dei cenoiras…
Hum! Que deleicia! Ou antão, ua espetadeinha de vaca tenra, daquelas qu’o sr.
Gregôrio serve na casa dele, o môlhe de sangue pingando pelo pau de loiro
abaixe, com meilhe freite e selada. Einté me dá ua roeza na boca do estômago. E
p’acabar o manjare, porque nã provar um bolo de castanhas? Se for caseiro, inda
mai bom. Ah! Estepeilha! O pior eia se dá da chorreica! Mas cá deigue ua cousa:
Oh! Diache! É bem melhor qu’um pau p’lo olho dentro, nã eia verdade? Credo,
abrenuncie! Parece que já tou senteindo um ardor por reiba do pente! Ah! mãei,
qu’ o cagaço! Eu cá nã sei, mas daquei a
nada, o sr. Gregôrio… a modes qu’ele eia o festeiro desta celebração, dá-me mas
eia ua resonda. Eu tou a caçoar! Ah! Senhores, e nã há gente qu’eingeita de
comere só pa nã f’care embalamado. Eu einté feique engulhado. Merece mas eia um
malhão. Alhe, eu vou mas eia fechare a matraca antes qu’amecês, aí bem
aboseirados, pense que mora o vento no meu jueize e me mande descascar
semeilhas e deigue:
- Aquele injúrio desplantado veio aqueim mas eia cagar de saco. Vai mas eia atupeir
ui grades no poio.
Nã
eia verdade, nã Senhore. Tou a caçoare! Podeia-se tar pr’aqueim a bilhardare de
tantos sabores tradeicionais desta terra de bons ilhéus. Mas que serve eisso? A
“conversa não enche barreiga”. Antes
qu’acabe e ui senhores nã atreme nem gerno da meinha faladura, amecês que
atreme no que lhes deigo: “O que se leva
desta veida eia o que se come e o que se bebe”. Já asseim falavam os nossos
anteigos. E a gente se deve aprender é dos mais velhos, que destes mai novos… _
Aie Jasus, Maria e Josia!… Aqueilhe eia palrar demais p’o meu gosto. Eia só
cagança por veia de um canudo de cartão. Inda têm tanto qu’aprender e um rôr
sacas de meilhe p’a engoleire. Afiuso a amecês todos qu’eia verdade,
verdadeinha. Verdade pura sagrada. E nã se esquêce: “Cordeiro manso mama a sua e mama a alheia”. Asseim cum’asseim,
plui modes qu’eu veijo eiste aqueim, ninguém se vai reinar e fazer à rebendita.
Aie, o que sereia a veida sem se leicare! Cada um vai-se apastorando cu’ma
Salve Rainha, qu’eisto nem todolui deias eia “Deia de Festa”. E… me desculpe se
m’eimbaracei na veida dui senhores, mas pense que nã agravei neinguém. Só f’care
c’ua roeza na barreiga. Mas s’aconteceu, nã foie cum eintenção."
FIM
Autor: Lídio Araújo