21 setembro 2018

É tempo de vindimar…

19:00


O sol já ia alto.

Nós, a pequenada, já há muito que andávamos a pular no terreiro, numa orquestra de gritos e gargalhadas.

Com um olhar maroto e um aceno de cabeça, sem palavras, dirigíamo-nos todos à socapa para a fazenda.

As parreiras ostentavam as suas folhas dum verde bem escuro e dependurados estavam os cachos de jaqué, americano e herbemon, por efeito das estacas de cana que bem afiadas e fincadas na terra levantavam as parreiras e suportavam o peso dos cachos.

Aqui e ali, luziam já os bagos de uva e nós agachados, escondidos pelas folhas íamos depenicando os primeiros bagos, não muito maduros, mas já doces.

Aos poucos, todos os bagos, todos os cachos se tingiam de um azul quase roxo que deixava adivinhar o grau de maturação e o doce paladar.

De manhã, bem cedinho, íamos todos para a vindima. Eram os cestos demão, de vime, enfiados num braço e noutra mão um podão com que cortávamos os cachos. O cesto cheio, já a abarrotar era então despejado no cesto de vindima também de vime. As uvas acumulavam-se bem arrumadinhas por mãos experientes, formando uma montanha quase pontiaguda.

– Não deixem cair os bagos! Juntem-nos todos! Uma vez uma velhinha fez uma pipa de vinho com os bagos do chão, ouviram?

E lá íamos nós juntar um por um, contribuindo para a tal pipa de vinho.

Cheios os cestos, os homens punham a molhelha às costas e o cesto lá assentava sobre ela. Bordão de conto na mão, não fossem escorregar, iam até ao lagar despejar os cestos.

Começava aquilo que para nós era uma festa. Pés lavados na água fria, descalços saltávamos lá para dentro. Pisávamos as uvas num frenesim danado, acompanhados pelos homens, eles de botas de água bem lavadas também.

O mosto negro escorria generosamente para dentro da tina, passando por um coador improvisado feito com um cesto de mão, em vime, que guardava os restos de bagaço que iam lá parar.

De vez em quando matávamos a sede com um pouco de mosto e os homens com o pote de madeira iam enchendo os barris que num equilíbrio fantástico eram transportados bem encostadinhos ao pescoço até chegar à beira da pipa.

Juntavam-se os amigos e a família de copo na mão, enchido diretamente da pipa. A prova do vinho era um pretexto para os encontros e reencontros, para as amizades e convívios, mas também uma forma de sustento das famílias; um rendimento que depois de recebido, era tenteado até à próxima colheita.

Outros, no lagar, para que nada se perdesse juntavam pacientemente os engaços, pondo em peso todo o bagaço arrumando-o numa torre cilíndrica. Uma corda feita de espadanas, recorrendo a um pau fixo no chão, com três ganchos fincados onde se torciam as espadanas como se faziam os cabos de cebolas , era atada a toda a volta, apertando-a e começava a ver-se o mosto a escorrer novamente.

Da vara rudimentar de pinheiro, carvalho ou eucalipto pendia o chincho, parecendo um cesto de ferro, que recebia as pedras para que a vara descesse, assente nos malhais postos sobre o bagaço. Para que não ficasse lá nenhum mosto. E para que nada se perdesse, aquele bagaço era repisado. Depois desfaziam aquela torre e o bagaço era todo esfarelado. Sobre ele deitava-se açúcar e água para fazer água pé. Ia novamente a peso, para escorrer até à última gota. A água pé era guardada em vasilhas de dois ou três barris e bebida após duas ou três semanas.

Na pipa, antes bem lavada e enxugada pelo efeito da mecha que era colocada, ardendo dependurada num arame, estava o mosto. Tapava-se a pipa com uma folha de vinha, durante um mês, um mês e tal, até parar de ferver. Era tapado então com o batoque de cortiça, muitas vezes com um bocado de saca de serapilheira enrolado para vedar bem. A torneira ou o torno eram vedados com palha seca de bananeira.

Depois de ferver, o vinho estava ainda rijo, picante; tinha que descansar até ficar macio.

Aguentava assim pelo menos até ao São Martinho, altura em que era provado ou até ao Natal, nalguns casos, quando matavam o porco.

Juntavam-se os amigos e a família de copo na mão, enchido diretamente da pipa. A prova do vinho era um pretexto para os encontros e reencontros, para as amizades e convívios, mas também uma forma de sustento das famílias; um rendimento que depois de recebido, era tenteado até à próxima colheita.

As uvas continuam a ser uma fonte de rendimento para algumas famílias e as vindimas continuam com a mesma intensidade de outrora, mas já pouco se produz o jaqué, o americano e o herbemon substituídas por outras castas, em grande parte pela malvasia.

Malvasia, uma casta que em são Jorge encontrou as condições ideais para produzir. Principalmente nas encostas do Farrobo. Especial. A Malvasia de São Jorge.

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