26 março 2017

A MESA E A COZINHA na história madeirense

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A MESA E A COZINHA na história madeirense 
Alberto Vieira

No mundo actual a culinária adquiriu elevado requinte. A sociedade, chamada de consumo, universalizou os nossos hábitos gastronómicos. Os hipermercados, os restaurantes são a expressão disso e ninguém os dispensa o acto de comer e beber deixou de ser uma necessidade fisiológica para se tornar num prazer. O requinte da cozinha, a arte e mestria dos cozinheiros assim o demonstram.
A mesa transformou-se num espaço importante. À mesa selam-se contratos, decide-se os destinos de um país, ou celebra-se um evento particular. A nossa culinária não está alheia a esta realidade. É fruto duma herança europeia dos colonos que lançaram a semente no século XV e dos demais que foram atraídos pela sua magia e beleza. Os ingleses são os segundos descobridores da ilha e aqueles que mais influências nos legaram. A mesa torna-se variada ajusta-se ao paladar dos convivas e à disponibilidade dos produtos.
A ilha, terra de passagem de gentes assistiu também à movimentação e descoberta do mundo animal e vegetal. A Madeira foi, na verdade, o espaço de passagem das plantas do continente Europeu para o novo mundo e vice-versa. Da Europa chegaram os cereais, a vinha e a cana-de-açúcar. Os dois primeiros por exigência da cultura cristã. A América e a África revelaram-se aos europeus na sua exoticidade e variedade dos frutos. Os descobrimentos peninsulares foram também a descoberta disso.
Aos poucos a mesa europeia tornava-se rica e variada. Cedo o ocidental assimilou aquilo que foi encontrando. Pimentos, feijão, mandioca, amendoim, chocolate, café, chá, baunilha, ananás, banana, milho e batata chegam à mesa europeia. As ilhas, e de modo especial a Madeira são viveiro de aclimatação aos solos europeus. A nossa variedade de frutos é resultado disso. A Banana é conhecida na ilha desde o século XVII e outros mais frutos tropicais foram chegando e contribuíram paulatinamente para o alargamento do cardápio. A mais antiga referência surge em 1687 no testemunho de Hans Sloane, sendo repetido em 1689 por John Ovington. Paulatinamente impõe-se na dieta alimentar tornando-se numa importante fonte de riqueza da ilha.
A viagem de Vasco da Gama (1497-1499) veio a contribuir para a generalização do consumo das especiarias, já conhecidas dos europeus, mas só agora com uma rota segura da divulgação. Assim ao tradicional açafrão, a mesa apura-se com as pimentas orientais. A posição da ilha, o seu protagonismo histórico contribuiu para a afirmação desde o século XV e definiram uma evolução peculiar da mesa. As ligações da ilha com outras regiões tiveram impacto directo na culinária. Assim, a presença dos escravos de Canárias, ou a iniciativa de madeirenses que mantiveram contactos com este arquipélago é responsável pela presença do gófio ou gofe, isto é uma farinha de cevada torrada que se consumia com leite de cabra ou de vaca. Sabemos do seu consumo no século XVIII no Porto Santo e que as freiras do Convento da Encarnação o tinha na ementa. Do Norte de África terá vindo o cuscuz, a escarpiada e o bolo do caco.
Os forasteiros, de passagem ou em busca da cura para a tísica pulmonar, isto nos séculos XVIII e XIX, são os principais divulgadores da nossa gastronomia. Habituados às laudas mesas reprovam a frugalidade da mesa rural. O gáudio está no Funchal, nos salões das quintas ou do Palácio do Governador. Assim em 1793 John Barrow saiu da ilha agradado com a mesa do governador da ilha, D. Diogo Pereira Forjaz Coutinho “a sua mesa é uma das mais variadas e delicadas e em poucas partes do mundo se poderia apresentar coisa semelhante. Travessas esplêndidas sustentam animais inteiros; ali deparei com um porquinho recheado rodeado de laranjas, uma lebre armando um salto, faisões tentando levantar voo, ornados com a sua vistosa e flamejante plumagem”.
Todos os estrangeiros não se cansam de referir o contraste entre a mesa das famílias distintas e a da maioria da população. Entre os primeiros estávamos perante a boa mesa onde os excessos de comida eram frequentes. E as evidências aí estavam. A obesidade era uma característica do grupo social e do clero. Rodolfo Schultze em 1864 chama a atenção para o facto de os jovens das famílias mais importantes, entre os 10 e 14 anos, tinham a tendência para o peso excessivo. A ideia é também corroborada pelos autores portugueses. Assim, Eduardo Grande é peremptório em afirmar que o “regímen alimentar das classes menos abastadas deste distrito” era pobríssimo, constando quase sempre de pão, mas de má qualidade.
Mas isto parece ter sido o privilégio de um grupo restrito da sociedade, uma vez que de acordo com John Ovington em 1689 a alimentação dos madeirenses era muito frugal, referindo que os pobres no tempo da vindima comiam apenas de uvas e pão. Diz-nos George Forster que “os camponeses são excepcionalmente sóbrios e frugais; a alimentação consiste em pão, cebolas, vários tubérculos e pouca carne”. Na verdade, a alimentação consistia em vegetais algum pão, inhame e castanha e os frutos da época.
A mesa madeirense apresentava por vezes alguns pratos estranhos os forasteiros. No texto editado por J. Payne em 1740 dá-se conta de”um prato de misturas, muito apreciado pelos naturais composto de peras, passas, pão e ovos, tudo fervido ao mesmo tempo, com salsa e outras ervas aromáticas”. Noutro prato misturava-se uvas com nozes, inhame cozido, a que se juntava uma massa frita e melaço.

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