01 outubro 2020

Opinião por Gil Rosa: Vindimas de outros tempos

10:29



Santana não é propriamente uma terra conhecida pela produção de vinho. Como se sabe é mais virada para outras culturas.

Ainda assim noutros tempos existiram grandes quantidades de uvas. Uvas que como noutras paragens eram dos chamados agora produtores diretos e eram quase que exclusivamente para consumo no próprio concelho.

A vinha que existia era maioritariamente cultivada no chão, sem recorrer aos chamados corredores. Os corredores eram mais comuns em freguesias como: São Jorge e Arco, ou mesmo no Faial.

Nos terrenos dos meus pais era tudo assim: vinha no Chão.

Recordo-me na altura de ouvir falar nas castas existentes e que eram pronunciadas popularmente assim: “armum”, “americano”, “tinto”, “jaquè”, “canin” entre outras.

O tratamento das vinhas como é natural era feito ao longo do ano. Depois da vindima vinha a poda, depois a fase de levantar e estacar as parreiras para que as uvas não ficassem directamente em cima da terra. Pelo meio havia sempre que cavar, mondar e regar e sulfatar.

Depois vinham as vindimas. Era um dia quase de festa.

Na minha casa vinham várias pessoas, homens e mulheres que procediam à apanha da uva e ao seu transporte para o lagar.

Ainda criança lembro-me deste ser um dia alegre, com tanta gente à volta das vinhas. A operação era por vezes acompanhada por cantarias diversas.

As mulheres apanhavam as uvas que iam colocando em cestos de vindima. Os cestos eram feitos de vime e mesmo vazios já representavam algum peso. Agora imagine-se carregados de uva até ao “cagulo” - como se dizia.

Na altura não havia caixas ou sacos como há hoje.

Os cestos bem cheios eram transportados pelos homens para o lagar. Era uma operação dura sobretudo por que implicava por vezes uma deslocação longa por trilhos muito sinuosos. Não era para qualquer um.

Pelo meio nós, eu e os meus irmãos, ainda crianças também ajudávamos à apanha e fazíamos o “abastecimento” ao pessoal. Um abastecimento que consistia na distribuição de um copo de vinho.

Depois da apanha operação seguia para dentro do lagar. Era lá que os homens começavam o trabalho para a pisa e repisa. Por vezes as uvas ficam de um dia para outro ou até mais, ao que se dizia para que o vinho ganhasse cor.

O trabalho de espremer as uvas nem sempre era fácil. Sobretudo quando se tratava da uva americano, por vezes era necessário juntar palha ao bagaço para que ele não se desfizesse quando era espremido com o peso da vara.

Nem toda a gente tinha lagar. Pelo que alguns lagares eram quase que comunitários. Eram emprestados aos vizinhos para que estes pudessem fazer o seu vinho.

Recordo-me do transporte do mosto que depois era feito através dos borracheiros. Cada borracho levava em médica um barril de vinho, cerca de 50 litros.

A freguesia de Santana não era uma grande produtora de vinho, mas as freguesias vizinhas sobretudo de São Jorge e do Arco de São Jorge, já eram muito conhecidas sobretudo pela produção de vinho “jaqué”. Um vinho que era muito procurado na costa sul. Lembro-me ainda de assistirmos às frequentes passagens por Santana de camiões carregados de vinho transportado em pipas, vindos das freguesias do Arco de São Jorge e de São Jorge.

Foi uma forma de economia que acabou por ser engolida pelo tempo.


Fonte: JM-Madeira


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