08 fevereiro 2018

Cozinha Gourmet ou minimalismo a peso de ouro?

12:19


Se é certo que o mundo mudou, e as pessoas mudaram, não é menos adquirido que os pratos têm vindo a acompanhar o sentido dessa vertiginosa, e não raras vezes paradoxal, mudança.

Antigamente, uma sardinha e uma carcaça para uma família caída em desgraça era, sem eufemismos, uma barrigada de fome. Hoje, um pratinho “chique a valer”, o mais minimalista possível, é dito muito elegantemente “gourmet”. A verdade é que quer num caso, quer noutro, os comensais limitam-se a comer, literalmente, com os olhos.

O prato tem de atrair. Tem de seduzir. Uma espécie de namorico sem beijocas lânguidas, dir-se-ia.

Naturalmente que, para que a refeição se torne uma experiência única, normalmente com preço múltiplo, convém que todos os sentidos sejam aguçados, conforme diz “quem sabe da poda” da gourmetização assente na decoração das preparações. Criatividade é coisa que não falta, com os pratos a fazerem lembrar pinturas de Miró ou Dali ou bizarras esculturas como paellas e feijoadas apresentadas em forma de bolinho a fazer lembrar o Portugal dos pequeninos.


Em sentido contrário às porções cada vez mais aparentadas com severo jejum, o tamanho dos pratos tem vindo a crescer, segundo os entendidos, para que os pormenores ganhem destaque. E, realmente, ganham. Outra coisa não há que isso mesmo: pormenores de comida.

Paralelamente, de parceria com o toque cada vez mais ritualístico das refeições, o número de pratos tem vindo a aumentar. Por outras palavras, a falta de comida é compensada com resmas de loiça para impressionar e “fazer crescer água na boca”.

No fundo, a ideia é dar a ilusão ao cliente de que comeu mais e que pagou menos.

Em matéria de culinária decorativa, atualmente, o que está a dar são reduções, flores comestíveis ou mini-legumes, tudo contadinho a dedo, previamente empratado na cozinha, não vá alguém mais guloso servir-se deselegantemente de mais uma ou duas batatinhas-anãs de uma bandeja tradicional.


Em termos de técnicas de montagem dos pratos, a gastronomia também tem vindo a evoluir com a chamada Regra dos terços, conhecido processo de composição fotográfica.

Ou seja, num só pratalhão gourmet, com comida liliputiana no centro, há pintura, escultura e fotografia. O que não falta é arte ou comunhão de várias. Só não há uma coisa essencial: comida para preencher a cova de um dente. Ou melhor, como diz o madeirense, o que o cliente prova (acentuo a palavra “prova”) são “dentinhos”.

Porém, quem pensa que a exigência de qualidade acaba aqui está para lá de redondamente enganado. Os elementos devem ficar em diagonal, de 3 para 2, uma vez que é esse o sentido que os olhos percorrem, como Cesário Verde e Alberto Caeiro percorriam a verdura com o olhar.

As iguarias ou decorações mais baixas devem ser colocadas na posição 3 e as maiores e mais altas na posição 2, numa montagem multidimensional.

Quanto à disposição dos “dentinhos”, o formato é o de “alvo”, com a iguaria principal a figurar no centro daquele “disco voador” a que chamam prato, circundada pelo acompanhamento e pelo molho, o mesmo sucedendo com o formato das sobremesas.

Já outro formato “na berra” é o de “relógio”. Basicamente, a disposição do prato deverá respeitar a distribuição que se segue: as guarnições, divididas na posição de 10 horas e 6 horas, e a proteína à direita, na posição das 2 horas. Tudo muito matemático e geométrico. Segredos talvez dos Maias ou dos Incas, quem sabe…

Resumindo, aritmeticamente, a quantidade de comida é equacionada com contas de sumir, mas o preço a pagar operacionaliza-se com contas de somar muito, muito multiplicadas.

Num dos anúncios publicitários televisivos, há um famoso “chef” que, depois de levar a comida à mesa, repentinamente, tem a epifania de que falta alguma coisa. No caso, era uma cerveja.

E todos respiram de alívio porque já não falta nada. A não ser, a não ser… comida. Obviamente que não falamos de “cogulos” para fartar brutos, mas comida que não pareça um aperitivo para ir depois a um restaurante menos modernaço almoçar ou jantar (verdadeiramente) sem as estrelas Michelin de uma indisfarçável “roeza”.

Artigo de opinião escrito por: João Abel Torres.
Fonte: Funchal Notícias

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