07 dezembro 2018

Bastardo: O Legítimo e o Ilegítimo (parte 2) - Pela Enófila

17:55

Artigo de opinião por Filipa Aveiro.

Na relação existente entre os solos e o clima, há uma casta de uva que amadurece mais cedo, gerada fora desta relação magistral e concebida de forma perfeita pelo universo. Nos vinhos de mesa, este rebento ilegítimo, geralmente rejeitado pela maioria dos viticultores, acabou por ser bem-sucedido em monocasta. Desde sempre, era apenas utilizada para complementar outros vinhos, atribuindo-lhes aromas, tempero e propriedade.

Encontramos esta casta enigmática em algumas regiões, para além da Madeira. De bago pequeno e película que se desfaz facilmente, necessita de um trabalho delicado e criterioso do viticultor e do enólogo. Alguns destes vinhos têm vindo a surpreender os consumidores e a ganhar mercado de forma gradual. Temos os exemplos do Bastardo da Península de Setúbal da Casa Horácio Simões, no Douro, da Niepoort ou Conceito, e em Trás-os-Montes, na Quinta do Arcossó, tal como as apostas recentes de enólogos bem-sucedidos e que começam a estudar melhor esta casta, casos como o de Paulo Nunes, na Costa e Boal, ou de Luís Seabra, na Quinta Valle de Passos.

Na Madeira, podemos encontrar o vinho de mesa Bastardo, de 2014, da Quinta de Arcossó. Uma quinta com tradições vitícolas da ocupação pré-romana, que engrandece a simbiose entre o homem e a natureza que o circunda, abdicando do trabalho mecânico, em prol do trabalho artesanal e com muita pouca intervenção. Um casal amigo, chegou a visitá-la. Ficou rendido à excelente aula de geográfica que receberam pelo Sr. Amílcar, mentor do projeto, que lhes explanou os cuidados que tem na relação da posição da vinha com os solos, inseridas nas montanhas que as rodeiam.

Ao debruçar a garrafa de Bastardo sobre o copo, irá deparar-se com uma cor de vinho tinto, um pouco mais esbatida que o habitual, com aromas agradáveis a sublinhar amoras, cerejas e com uma leve nuance a madeira. Na boca é suave, fresco e elegante, com taninos densos, deixando um final longo. Recomendo que o sirva fresco, após uma ida ao frigorífico por uma hora e, que o acompanhe com carnes brancas ou com gastronomia sem muita especiaria.

O rótulo do Bastardo, da Quinta do Arcossó, revela-se misterioso, poético e com um qb de atrevimento, entoado pelo vermelho e preto, numa garrafa borgonhesa escura e baça que não revela o seu interior. O nome da quinta está descrito como se de uma sopa de letras se tratasse, onde as palavras são individualizadas apenas por um apontamento cromático, tendo o nome da casta um registo discreto, mas em primeiro plano na leitura geral do rótulo.

Vinho um pouco misterioso... ao prová-lo descobrirá um registo diferente, que o irá surpreender e que o conduzirá a apreciar, de forma mais atenta, os vinhos produzidos com apenas uma casta, para que vá testando os seus sentidos e traçando as suas escolhas individuais.

Boas provas.


Fonte: JM-Madeira

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